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Para entender a depressão


Tempos atrás conversei longamente com o psiquiatra Jair Mari, amigo e titular da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, que se dedica ao tema como clínico e acadêmico.
Eis abaixo o resultado dessa conversa, aqui reproduzida numa tentativa de ampliar ainda mais o entendimento desse transtorno que dificulta, direta ou indiretamente, a vida de tantas pessoas.


Eu gostaria que você falasse um pouco sobre os tipos de depressão e suas classificações.

A expressão "depressão maior" veio da classificação da APA - Associação Psiquiátrica Americana. Então é lógico que esse nome cause uma certa confusão: o que é a depressão maior e o que é a depressão menor? O mais correto é falar em depressão, em estados depressivos. Então esqueça essa história de maior ou menor, que isso é uma classificação da APA, "major depressive", que é para caracterizar um estado clínico da depressão, quer dizer, o cara não tem só uma tristeza, ele tem um problema, um problema importante. Quando esse problema se torna importante? Quando há uma mudança qualitativa. Então, não é uma tristeza porque meu time perdeu, por exemplo. Quando tem uma mudança que muito provavelmente é uma mudança biológica também, o indivíduo sente que algo mudou na vida dele. Ele começa a perceber que há três, quatro semanas tem crises de choro, muita angústia, perdeu o apetite, ou aumentou o apetite, que ele perdeu o sono ou aumentou o sono, e a mente dele é invadida por idéias ou de inferioridade, ou de culpa, chegando até o suicídio, até a idéia de suicídio. A depressão, independente do que a dispara, tem características biológicas importantes. O indivíduo passa a sentir que ele não é mais o mesmo.

Como a gente pode entender se a depressão é leve, moderada ou grave?

Eu vou te dar um exemplo de uma depressão muito grave para você entender a graduação. A maioria dos casos de depressão a gente chama de leve, que é sobre o que nós falamos há pouco, os sintomas que citei. Quando a coisa começa a complicar? Há alguns casos em que o indivíduo tem idéias delirantes, que são juízos falsos. Existe uma síndrome, que a gente chama síndrome de Cotard, durante a qual o indivíduo passa a se sentir tão mal que ele acredita que não tem o esôfago. Claro que é um falso juízo: se ele não tem o esôfago, ele não pode se alimentar, entendeu? E isso é gravíssimo, porque nesses casos a depressão não se trata somente com remédio, esses são casos em que, por exemplo, poderiam se beneficiar de um tratamento de eletrochoque. Outro exemplo: o indivíduo começa a achar que está com Aids, que foi contaminado. Então ele tem delírios que invadem a mente, a vida dele, ele passa a evitar usar coisas em comum, que os outros podem estar usando, ele começa a ter uma preocupação com contaminação, então passa a ter idéias paranóides e hipocondríacas.

Você exemplificou bem o que é o episódio grave, não é? Agora, o que você diria que é o moderado?

O moderado é aquele em que, além dos sintomas do caso leve, você tem uma idéia de suicídio, em que a circunstância do indivíduo é muito negativa.

Em geral, o ponto de conflito, os principais conflitos, as principais dificuldades vão ocorrer na vida afetiva, na vida familiar, os filhos, por exemplo, o filho com dependência de droga ou que pode estar com problema grave com a justiça, o trabalho, as frustrações ocupacionais. Então, o clínico é treinado para contextualizar a depressão, para verificar em que momento ela surgiu na vida daquele indivíduo. Conversando com a pessoa, aconselhando, fazendo ela compreender porque que acabou ficando com depressão. As perdas são muito importantes, não é ?

Sim, mas até aí você está falando só de fatores psicológicos. E os fatores clínicos, onde é que entram?

A outra característica importante da depressão em estado grave tem a ver com agitação psicomotora, quer dizer, a depressão pode levar o indivíduo a uma inibição global. Ele tem uma fadiga tão grande que não consegue fazer as coisas. Por isso que a depressão está associada também à obesidade. Vários casos de obesidade têm subjacente um estado depressivo, porque ela vai pegar essa parte mais de inibição do indivíduo, que fica todo lentificado. Por quê? Porque ele sente uma fadiga decorrente da depressão e todo seu metabolismo é alterado. Além disso, você também vai ter alguns casos de agitação psicomotora: o indivíduo não pára na cadeira no consultório. Esse é um caso grave de depressão. Os casos de depressão associada à agitação psicomotora teriam uma característica biológica mais forte, um componente hereditário mais forte. Muito provavelmente o que acontece é que a depressão é uma doença multicausal, de vários fatores interagindo para que ela exista.


Esse terreno seria o dos neurotransmissores?

Justo. Quer dizer, independente do que dispara a depressão, você terá uma disfunção neuroquímica, muito provavelmente uma disfunção do sistema serotonérgico.

Acho que é importante deixar claro então que há muitos fatores envolvidos....

Agora, porque que os neurotransmissores são diferentes em cada pessoa? Porque a maquininha que regula os neurotransmissores, as enzimas e o funcionamento cerebral, ela vem codificada no sistema genético. Se você tem um evento muito forte, uma reação emocional muito forte, você desregula esse sistema. O indivíduo é a biologia dele, é o que ele traz nessa maquininha codificada, o jeito que ele foi organizado. Aí ele vai ter o crescimento psicológico dele, toda a vida psicológica, a formação e a história individual. E também os eventos estressantes. Então, a vida pessoal vai ter influência, vai ter influência o contexto social e cultural que esse indivíduo vai se desenvolver em relação ao posicionamento afetivo e profissional dele.

Mas tudo isso ocorre dentro de um desequilíbrio químico...

Um computador funcionando com vários sistemas sinérgicos. Tem que haver um sinergismo para o cérebro funcionar bem. Então, essas situações podem disparar um desequilíbrio desse sistema. Quando ele se desequilibra, dificilmente vai se reordenar automaticamente.

Daí a necessidade de intervir quimicamente?

Justo. Ainda que em algumas situações pode-se pressupor que uma intervenção psicológica isolada tenha condição de reparar o sistema também.

Você está na contramão de correntes psiquiátricas que acham que a psicoterapia é apenas um coadjuvante muito relativo...

O que nós temos que ver não é a crença de cada um, é o que se tem de pesquisa. Há dois tipos de terapia que estão sendo aponttadas como eficazes. É a psicoterapia interpessoal, IPT, e a que se chama de terapia cognitiva, reestruturação cognitiva.

Você acha que é importante a combinação das duas coisas, terapia e tratamento químico?

A combinação das duas coisas. Ou você fazer primeiro o mais simples, que é dar um suporte emocional para o indivíduo, um suporte afetivo, e contextualizar o início da depressão, compreender o que disparou, buscar uma resolução e, se esse indivíduo fica bem, ele não vai precisar de nada mais. E há indivíduos em que a medicação somente não vai ser suficiente, então esses indivíduos vão se beneficiar de uma psicoterapia.


Eu queria voltar a ponto da depressão grave e falar também de distimia e do transtorno bipolar.

Depressão grave mesmo é quando você tiver impulsos de suicídio muito fortes e os distúrbios de senso percepção, principalmente os delírios, os julgamentos falsos.

A distimia é o que se chamava antigamente do neurótico depressivo, um indivíduo que tem um humor abaixo do normal. Ele é melancólico e triste, ele tem idéias de inferioridade, culpa, hipocondria mais acentuada, fadiga, só que ele não preenche os critérios de diagnóstico da depressão. É como se ele tivesse uma personalidade depressiva, com um decréscimo de humor persistente ao longo de toda a vida.

Isso não chega a abater a qualidade de vida dele?

Abate muito! Esses indivíduos têm a qualidade de vida extremamente prejudicada, são pessoas que podem ser muito inteligentes, mas não conseguem se realizar profissionalmente. Agora, eles é que têm o maior benefício dos antidepressivos. Esse indivíduo que era todo tímido, recatado e com baixo funcionamento, tem uma melhora muito importante com o medicamento.


Eu percebo que principalmente o homem tem uma dificuldade muito grande de aceitar que tem depressão. É supercomum nos ambulatórios, mesmo atendendo gente simples, o indivíduo ter passado vários anos sem saber o que tinha e aí, quando toma remédio e melhora, quando tem acesso ao tratamento recebe um benefício fantástico


Eu gostaria que você falasse um pouco da relação do deprimido com seus familiares.

O indivíduo quando está deprimido não consegue desfrutar de nada. Mesmo as coisas de que mais gostava, como futebol ou a bisteca do restaurante x ou filé do Moraes [tradicional restaurante de São Paulo]. Mesmo aquelas coisas com que tem uma ligação mais forte ele deixa de desfrutar. Para a família, não dá para entender, porque o cara não tem marcas de doença, muitas vezes ele não está chorando, ou se está chorando, não deveria estar chorando. As pessoas não compreendem que o indivíduo parou de gostar das coisas. Então ocorre aquela história de "você vai, você tem que ir, nós vamos te levar". Ao perceber que ele não está em condições de desfrutar daquele momento, a família acaba pressionando demais o indivíduo sem compreender que ele não está bem. Aí tem de haver um papel educacional e psicopedagógico importante com os familiares.



Fonte: Folha Online