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Alterações do Pensamento

O raciocínio é uma cadeia de representações, conceitos e juízos, com início na experiência sensorial.


Trata-se, o pensamento, de uma operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos na da vida social e cultural, combiná-los logicamente e alcançar uma outra nova forma de conhecimento. Todo esse processo começa com a sensação e termina com o raciocínio dialético, onde uma idéia se associa a outra e, desta união de idéias nasce um a terceira.
Quando percebemos uma rosa branca concebemos, ao mesmo tempo, as noções de rosa e brancura, daí, conceberemos uma terceira idéia que combina as duas primeiras. Evidentemente, para concebermos as duas primeiras idéias há a necessidade de que, anteriormente, tenhamos de experimentar a rosa e também o branco para, numa próxima operação concebermos a rosa branca.
Não há, desta forma, necessidade de termos experimentado uma rosa já branca, assim como, por exemplo, somos capazes de conceber uma rosa completamente verde, sem que, sequer, a tenhamos visto.
O raciocínio humano é uma cadeia infinita de representações, conceitos e juízos, sendo a fonte inicial de todo esse processo a experiência sensorial. Nosso conhecimento se dá através das representações sensoperceptivas do mundo e delas, elaboramos nossos conceitos, vistos anteriormente. O pensamento lógico consiste em selecionar e orientar esses conceitos, tendo como objetivo alcançar uma integração significativa, que possibilite uma atitude racional ante as necessidades do momento.
Pensamento e JuízoChama-se juízo o processo que conduz ao estabelecimento dessas relações significativas entre conceitos e, julgar é, nesse caso, estabelecer uma relação entre conceitos. A função que relaciona os juízos, uns com os outros, recebe a denominação de raciocínio. Em seu sentido lógico, o raciocínio não é nem verdadeiro nem falso, ele será sim, correto ou incorreto. Portanto, o raciocínio para ser correto deve ser lógico e, em Psicologia, o termo raciocínio tem o mesmo sentido de pensamento.
Por outro lado, devemos completar a idéia de que o pensamento não se resume em associações esparsas e aleatórias, como se combinássemos peças para formação de um mosaico. Devemos acrescentar à teoria associativa um algo mais que confere ao pensamento uma característica formal, ou seja, uma capacidade em conseguir dar FORMA às idéias e que, estas, não são apenas a soma de suas partes, mas sim, uma configuração independente. Isso pode ser exemplificado pela observação de que uma melodia não se constitui apenas na somatória de suas notas: trata-se de uma coisa nova, com uma forma independente e original.
Idéias Supervalorizadas Há situações onde ocorre uma predominância dos afetos sobre a reflexão consciente, com subseqüente alteração do juízo da realidade e com repercussões secundárias no comportamento social do indivíduo. As Idéias Supervalorizadas são conhecidas também como Idéias Prevalentes ou Idéias Superestimadas. É quando o pensamento se centraliza obsessivamente num tópico especialmente definido e carregado de uma enorme carga afetiva.
A imagem literária através da qual se estigmatiza o possuidor das Idéias Supervalorizadas é a do indivíduo fanatizado, cuja convicção acerca de sua Idéia Superestimada desafia toda argumentação em sentido contrário, inclusive a contra-argumentação embasada em elementos lógicos e razoáveis.
Tendo em vista a grande força sentimental propulsora da convicção prevalente, tal pensamento passa a ser dirigido exclusivamente pela emoção, comumente por uma emoção doentia e com total descaso para com a lógica ou para com a razão. A necessidade íntima convocada por este psiquismo problemático pode encontrar algum conforto na adoção de uma crença; seja ela política, religiosa, filosófica ou artística, de tal forma que o indivíduo se encontra cego para todas as evidências que não compactuem com sua idéia prevalente.
Tudo aquilo que possa comprometer ou ameaçar o valor e o significado atribuído à Idéia Supervalorizada é recusado pela consciência e, quanto mais a realidade dos fatos sugerir conclusões contrárias à tais pensamentos, mais claramente perceberemos a sua não-normalidade.
1. - FORMA DO PENSAMENTOHavendo saúde mental os estímulos para que o raciocínio se desenvolva devem provir de fontes externas e internas. Mas o pensamento não é guiado apenas por considerações estritamente atreladas à realidade, ele também flui motivado por estímulos interiores, abstratos e afetivos ou até instintivos. A criação humana, por exemplo, ultrapassa muitas vezes a realidade dos fatos, refletindo estados interiores variados e de enorme valor para a construção de nosso patrimônio cultural.
Voltar-se para o mundo interno significa que o pensamento se manifesta sob a forma de Devaneios - uma espécie de servidão das idéias às nossas necessidades mais íntimas, aos nossos afetos e paixões. Enquanto há saúde mental, entretanto, nossos devaneios são sempre voluntários e reversíveis; eles devem ser nossos servos e não nossos senhores.
Em estados mais doentios, esses devaneios ou fugas da realidade são emancipados da vontade, são impostas ao indivíduo de forma absoluta e tirânica. Parece tratar-se de um indivíduo que despreza a realidade e vive uma realidade nova que lhe foi imposta involuntariamente, da qual não consegue libertar-se.
A própria concepção da realidade pode sofrer alterações nos transtornos psíquicos. Em determinados estados neuropsicológicos a realidade pode sofrer alterações de natureza bioquímica, funcional ou anatômica. Em outros estados, agora de natureza psicopatológica, os elementos da realidade também podem ser deturpados por fatores afetivos, emocionais ou psíquicos, de forma a prevalecer uma concepção do mundo determinada exclusivamente pelo interior de ser e não mais pela lógica comum à todos nós.
Ao pensamento que se afasta da realidade morbidamente, ou seja, doentiamente, damos o nome de Pensamento Derreísta ou Pensamento Autista. Falamos “se afasta morbidamente da realidade” porque esse tipo de pensamento não mais depende do arbítrio que todos temos em fantasiar e voltar à realidade voluntariamente. Ele devaneia obrigatoriamente, sendo negado ao paciente a faculdade de entendimento dos limites de nossas fantasias, quando nos imaginamos ganhadores da loteria ou coisas assim, e da realidade, com a consciência plena de nossa situação. Visto assim, normal seria a dupla capacidade do pensamento, tanto para lidar com a fantasia, quanto para lidar com o concreto, de maneira livre e autônoma. O ser humano normal deve ter autonomia e capacidade de passar voluntariamente de uma forma à outra e, principalmente, deve saber claramente onde começa um tipo de pensamento e termina o outro.
Para aqueles que acreditam ser normal e até desejável que a pessoa tenha seus pensamentos exclusivamente atrelados ao concreto e ao real, lembramos que essa limitação imposta ao pensamento, fazendo-o incapaz de afastar-se do absolutamente concreto, leva o nome de Concretismo, que também é uma alteração da forma do pensamento.
Pensamento DerreístaO Pensamento Derreista é aquele que se desvia da razão, faltando-lhe tenacidade para se atrelar à realidade. Sua característica principal e criar, a partir de antigas cognições e novas representações, um mundo novo e de acordo com os desejos, anseios e angústias.
Bleuler deixou explícito que nos casos de esquizofrenia o pensar se encontra profundamente alterado. O voltar-se para o mundo interno contribui para que o pensamento se manifeste sob a forma de devaneio, quando a pessoa pode deixar suas fantasias em total liberdade, de rédeas soltas. Em tais circunstâncias, o pensar não obedece às leis da lógica e, nos casos mais acentuados, tudo transcorre como se o indivíduo estivesse submerso num verdadeiro estado onírico. Para Bleuler, o Pensamento Derreísta obedece às suas próprias leis e utiliza as relações lógicas habituais apenas na medida em que são convenientes mas, de qualquer forma, ele não se acha ligado de nenhuma maneira a essas leis lógicas. O Pensamento Derreísta está dirigido pelas necessidades íntimas do paciente, o qual pensa mediante símbolos, analogias, conceitos fragmentários e vinculações acidentais.
Ao contrário do Pensamento Derreísta temos o Pensamenso Realista. A clínica nos mostra claramente que essas duas formas de pensar podem coexistir justapostas num mesmo paciente. Ao lado das marcantes alterações derreísticas, realisticamente os pacientes podem se orientar perfeitamente bem no tempo e no espaço, podem ter suas ações perfeitamente adequadas e se adaptam à alguma parte de sua realidade pragmática, podendo nos parecer normais em muitas circunstâncias.
Pensamento RealistaO Pensamento Realista é aquele que consegue compatibilizar com naturalidade, ou seja, fisiologicamente, tanto a parte formal do raciocínio, quanto a parte mágica natural à todo ser humano, ou seja, tanto o raciocínio orientado pela lógica, quanto os devaneios espiritualizados e sublimes do ser humano. Essa harmonia entre a lógica e o mágico, desejável no ser humano normal, recomenda o ditado de que "não importa se a aventura é louca, desde que o aventureiro seja lúcido".
No território do pensamento mágico abrigamos todas nossas crenças, nossas paixões, nossas superstições, enfim, nosso mundo da fantasia e da magia. No território do pensamento formal e lógico, habitam os conceitos, as suposições, as deduções, as induções, as idéias racionalizadas e, principalmente, a noção exata para valorizarmos adequadamente nosso próprio lado mágico. Veja ao lado o Concretismo, que é um exagero do Pensamento Realista.
2. - CURSO DO PENSAMENTOInibição do PensamentoPelo curso do pensamento podemos ver, inicialmente, seu ritmo. Quanto à isto, o pensamento pode manifestar-se normal, rápido ou lento. Em seu ritmo lento temos a Inibição do Pensamento. A inibição do pensamento é um sintoma que se manifesta por lentidão de todos os processos psíquicos. Nos enfermos em que existe inibição do pensamento, observa-se também grande dificuldade na percepção dos estímulos sensoriais, limitação do número de representações e lentidão no processo e evocação das lembranças.
Os pacientes com inibição do pensamento mantêm-se apáticos, não falam espontaneamente nem respondem às perguntas com vivacidade, respondem lentamente ou com dificuldade. A perturbação é também qualitativa ou seja, atinge a essência do pensamento e se acompanha, geralmente, de um sentimento subjetivo de incapacidade. Junto com inibição do pensamento pode haver ainda sentimento de pouco interesse, de imprecisão a respeito das opiniões, dificuldades para a escrita e lentidão para andar. Esses pacientes revelam dificuldade de compreensão, de iniciar uma conversação, de escolher palavras, enfim, eles pensam com grande esforço.
Fuga de IdéiasA Fuga de Idéias é uma alteração da expressão do pensamento caracterizada por uma variação incessante do tema e uma dificuldade importante para se chegar a uma conclusão . A progressão do pensamento encontra-se seriamente comprometida por uma aceleração associativa, a tal ponto que, a idéia em curso é sempre perturbada por uma nova idéia que se forma. Segundo Bleuler, na Fuga de Idéias os doentes geralmente são desviados da representação do objetivo através de quaisquer idéias secundárias. Assim, no pensamento com Fuga de Idéias, o que há não é uma carência de objetivos mas uma mudança constante do objetivo devido a extraordinária velocidade no fluxo das idéias.
A sucessão de novas idéias, sem que haja conclusão da primeira, torna o discurso pouco ou nada inteligível. Há, pois, passagem de um assunto para outro sem que o primeiro tenha chegado ao fim: "eu não gosto de batatas, mas acho que em São Paulo o clima é melhor. Porque o senhor não compra um carro novo?"
Normalmente costumamos observar 4 características na Fuga de Idéias:
1. Desordem e falta aparente de finalidade das operações intelectuais: mesmo quando há certa relação entre os conceitos, o conjunto carece de sentido e de significado;
2. Predomínio de associações disparatados;
3. Distraibilidade. Facilidade de se desviar do curso do pensamento sob a influência dos estímulos exteriores;
4. Freqüente aceleração do ritmo da expressão verbal.
O paciente com fuga de idéias é incapaz de concentrar sua atenção, dispersando-se numa multiplicidade de estímulos sensoriais sem se aprofundar em nada. A Fuga de Idéias normalmente está associada a aceleração do psiquismo, ou Taquipsiquismo: um estado afetivo comumente encontrado na hipomania ou mania, ou seja, na euforia. Seria como se a eloqüência na produção de idéias superasse a capacidade de verbalizá-las. Diz-se Logorréia ou Verborragia para o fenômeno de produção aumentada de palavras, o qual, pode ser ou não acompanhada de Fuga de Idéias.
Na prática psiquiátrica o observador pode ter a falsa impressão de que o paciente verborrágico (com ou sem Fuga de Idéias) tem uma crítica aumentada e arguta. Entretanto, ainda que seja capaz de observações perspicazes e ferinas, isso se deve à perda da inibição social que normalmente acompanha os estados maníacos e, de fato, o que se vê é mais uma atitude de inconveniência do que um juízo crítico apurado. O homem sadio não diz muitas coisas que poderiam ser ditas porque, em certas ocasiões e circunstâncias alguns comentários não são recomendados pela ética. Tais considerações não existem nos pacientes eufóricos.
Bloqueio ou Interceptação do PensamentoNesses casos há uma interrupção brusca da idéia em curso e o fluxo do pensamento fica bloqueado, cessando repentinamente. É como se, durante uma exposição discursiva, um raio caísse bem próximo da pessoa que fala e, pelo susto, interrompesse imediatamente a exposição. Depois do susto normalmente existe a pergunta: " o que estava mesmo dizendo?" e, em seguida, pode retomar a idéia inicial. Isso é um bloqueio ou interceptação do pensamento.
Normalmente o bloqueio sugere uma espécie de força interior que supera a intenção de concluir o tema por alguns instantes; trata-se de uma motivação interna bloqueadora do curso do pensamento. Podemos encontrar bloqueios relacionados a fortes emoções mesmo na vida psíquica normal. Nos estados patológicos as forças interiores (complexos, delírios, paixões) produzem boas razões para os bloqueios. Nesses casos, havendo uma interrupção da idéia em curso haverá, conseqüentemente, uma interrupção do discurso.
Na esquizofrenia observa-se com freqüência o aparecimento inesperado de interceptação das idéias. O doente começa a expor um assunto qualquer e, subitamente, se detém. As vezes, depois de alguns instantes, volta a completar o pensamento interrompido, outras vezes, inicia um ciclo de pensamento completamente diferente.
PerseveraçãoÉ a repetição continuada e anormalmente persistente na exposição de uma idéia. Existe uma aderência persistente de um determinado pensamento numa espécie de ruminação mental, como se faltasse ao paciente a formação de novas representações na consciência. Percebemos que há uma grande dificuldade em desenvolver um raciocínio, seja por simples falta de palavras, por escassez de idéias ou dificuldade de coordenação mental. Por definição a Perseveração do Pensamento é a repetição automática e freqüente de representações, predominantemente verbais e motoras, que são evocadas como material supérfluo nos casos em que existe um déficit na evocação de novos elementos ideológicos.
A Perseveração está incluída nos distúrbios do curso do pensamento por sugerir que a temática em pauta se encontra limitada a um curso circular, que não tem fim e repete-se seguidamente. Havia um paciente epiléptico que dizia: "... então a minha mãe corria atrás da gente com uma faca, aí eu ia buscar a Genizinha que sabia benzer ela, então chegava e benzia e minha mãe corria atrás da gente com uma faca, aí eu ia buscar a Genizinha que sabia benzer ela, então chegava e benzia minha mãe que corria atrás da gente..."
Observamos Perseveração do Pensamento em alguns casos de agudização psicótica, nos quais há significativa desestruturação da consciência e um determinado estímulo interno passa a se assenhorear de toda personalidade naquele momento. Também observamos em determinados Estados Crepusculares, onde, patologicamente há um significativo estreitamento da consciência.
Circunstancialidade ou ProlixidadeAqui, o paciente revela uma incapacidade irritante para selecionar as representações essenciais daquelas acessórias, ou seja, o pensamento foge da pauta principal e perde-se no detalhamento trivial. Aparece um grande rodeio em torno do tema central, uma riqueza aborrecedora de detalhes e circunstâncias sem propósitos práticos e pormenores desnecessários, tornando o discurso bem pouco agradável. À esta situação chamamos de Viscosidade ou discurso Viscoso ou, quando esta é uma das características constante da pessoa, pode-se chamá-la de pessoa Viscosa. Um exemplo contundente de viscosidade é a conversa ou a atitude de alguns bêbados, muito inconvenientes e dos quais não é fácil se livrar.
Na Circunstancialidade aparece, como é natural, um certo grau de ansiedade por parte do interlocutor, provocada pela morosidade na conclusão da idéia. Um paciente, perguntado se tinha ido fazer uma tomografia, cuja resposta deveria ser algo como sim ou não, dizia: "... bem, tive que ir terça feira passada porque o movimento do escritório às terças é menor; na segunda feira é que tem mais serviço, porque o pessoal deixa tudo para ser resolvido às segundas. Até que foi bom eu ter deixado para a terça, porque, lá no serviço do tomógrafo, eles também devem ter mais movimento de segunda, que por sinal é um dia terrível. Acho que (brincando) a semana deveria começar pela terça".
A Prolixidade produz um curso do pensamento muito tortuoso e o tema central fica seriamente prejudicado pelas divagações inúteis e pelos comentários paralelos. Em seu diálogo o paciente viscoso tem sempre algo a acrescentar e de tal forma que o fim da conversa fica desagradavelmente comprometido. No consultório ele é capaz de levantar-se muitas vezes antes de ir embora e sentar novamente para acrescentar mais alguma coisa, absolutamente sem importância.
IncoerênciaNa Incoerência há uma grande desorganização na estrutura sintática com períodos em branco e frases soltas no meio da exposição de uma idéia. Freqüentemente a Incoerência está associada a transtornos que comprometem o estado da consciência. É como se faltasse ao paciente condições homeostáticas para a organização das idéias e para sua capacidade de comunicação verbal. O Estado Crepuscular é um bom exemplo de Distúrbio da Consciência, onde a capacidade de organização do pensamento encontra-se seriamente comprometido. Também na Turvação da Consciência pode haver Incoerência.
O pensamento incoerente é confuso, contraditório e ilógico. Enquanto na Fuga de Idéias percebemos a passagem repentina de uma idéia para outra, na Incoerência o que interrompe o curso do pensamento são fragmentos soltos de idéias aleatórias; como se o pensamento estivesse pulverizado.
3. - CONTEÚDO DO PENSAMENTOAlém dos Distúrbios da Forma e dos Distúrbios do Curso do Pensamento, elementos valiosíssimos na propedêutica psíquica, devemos verificar também os Distúrbios do Conteúdo do Pensamento. Este conjunto sintomático completará esta grande área do psiquismo a ser pesquisada, o Pensamento. Para a elaboração do diagnóstico psiquiátrico será necessário, além do Pensamento, também a verificação de duas outras grandes áreas; a Afetividade e o Comportamento.
O exame do Conteúdo do Pensamento mostra-nos a essência do ser, o elemento mais refinado e sublime da pessoa e aquilo que ela tem de mais íntimo dentro de si. A dificílima tarefa de avaliação do conteúdo do pensamento remete-nos a um dos campos mais polêmicos da argüição do ser humano: a valoração de suas idéias.
Entre o examinador e o examinado vibram as mais variadas tendências culturais, as mais diversas inclinações filosóficas, todas as sutilezas da ética, da moral e da religião, deparam-se ainda, a tonalidade afetiva e a natureza dos sentimentos pessoais de cada um. Portanto, julgar idéias é sinônimo de julgar pessoas, uma atitude tão incrível quanto julgar a arte, tão espinhosa quanto definir a beleza. O bizarro e o majestoso saltam logo aos olhos, mas entre um e outro há uma infindável variação de nuances entre o sadio e o patológico.
Examinando o Conteúdo do Pensamento estaremos tocando o cerne da personalidade, o miolo do ser psíquico e o resultado final em que o indivíduo se encontra neste dado momento. O Conteúdo do Pensamento comporta todo perfil dos conceitos, dos juízos, da atividade intelectiva e da afetividade de cada um.
A psicologia evolutiva aponta para a prevalência do Pensamento Mágico no homem primitivo, tal como uma espécie de pensamento pré-lógico, onde as fronteiras entre o real e o irreal são demasiadamente imprecisas. Tal Pensamento Mágico está ainda bastante presente nas crianças e em adultos carentes de um socorro imediato às suas angústias e impotências. Está bem sabido, conforme Nobre de Melo observa, que esta não é a maneira habitual de pensar e de proceder do homem adulto e civilizado de nosso tempo. Este ser civilizado deve pautar sua conduta pelos princípios que regem o Pensamento Lógico ou Pensamento Reflexivo.
Há, entretanto, na mentalidade deste homem civilizado, um grande número de reminiscências residuais primitivas e mágicas que vivem se reativando em circunstâncias especiais, tais como na ansiedade, na paixão, na incerteza, no sofrimento inconsolável, no perigo iminente e na desrazão . É assim que o ser humano moderno, motivado por sua angústia, insegurança e sofrimento, será capaz de apelar ao sobrenatural e à fantasia. É desta forma, subestimando a lógica e a razão absoluta, que nosso pensamento acabará tocando o irracional e a magia através de práticas individuais e íntimas variadas.
Assim sendo, constatamos, num sem-número de sistemas culturais e numa infinidade de pessoas, a utilização de todo um vasto arsenal de recursos mágicos para aplacar a angústia e o desespero. Aceitando esta convivência paralela e harmônica do mágico e do lógico na consciência do homem normal, podemos entender melhor o astronauta que não dispensa seu pé-de-coelho, ou o cientista que carrega uma pirâmide de cristal, o criminoso que porta um crucifixo, o aluno que só entra em provas sempre com o mesmo lápis, o jogador que veste a mesma cueca por ocasião de uma partida importante e assim por diante. O Pensamento Mágico e primitivo revive sempre nas crianças, esporadicamente nos adultos normais e predomina nos estados mórbidos ou de grande sofrimento emocional.
É desta forma que surpreendemos o irreal e ilógico no conteúdo e nas elucubrações do pensamento supervalorizado, delirante, obsessivo ou fóbico. Tais atitudes mentais são consideradas como uma espécie de regressão da personalidade, onde vemos surgir toda a simbólica ancestral dos estágios mais remotos da evolução psicológica da espécie humana. São mecanismos de defesa mantidos em estado de latência mas susceptíveis de reascenderem todas as vezes em que se proceder uma ruptura no equilíbrio funcional da personalidade.
O Juízo e a Lógica, por outro lado, são duas operações intelectuais exercidas pelo pensamento reflexivo ou lógico. Porém, não obstante, nossos juízos estão sempre impregnados pela afetividade e pela vontade, de tal forma que todo julgamento é predominantemente subjetivo. Conforme Nobre de Melo, pode-se dizer que um juízo crítico, por mais fundamentado que possa ser, revela, às vezes, muito mais a natureza da pessoa que julga do que a qualidade da coisa julgada. Desta forma a própria razão, objeto do raciocínio lógico, também deve passar pela individualidade afetiva e, portanto, terá sempre uma racionalidade relativa por excelência.
Não será demais enfatizar que, em se tratando de conteúdo do pensamento, devemos levar em consideração todas as querelas sócio-culturais que permeiam a existência da pessoa considerada. A valorização do pensamento como um todo deverá, obrigatoriamente, relevar todas as circunstâncias atreladas ao panorama vivencial. Não fosse assim, com toda a certeza um dinamarquês consideraria um fenômeno francamente psicótico um pai de santo da Bahia. Da mesma forma, seria possível, à um observador menos avisado, classificar os japoneses kamikazes dentro das depressões suicidas.
Assim, o pensamento flui em função das associações e da forma. Representa um modo de ligação entre conceitos, uma seqüência de juízos e o encadeamento lógico de conhecimentos, de maneira dinâmica e contínua. Por outro lado, pode o pensamento abstrair-se em pressuposições hipotético-dedutivas, sem relação obrigatória com a realidade objetiva, em operações formais que aparecem no ser humano à partir dos 11 ou 12 anos.
Segundo Bleuler, no pensamento também está incluído algo de energético que se origina da afetividade: a finalidade, o conteúdo, o ritmo, a fluência e o tipo de pensamento são dirigidos pelas necessidades, interesses e tendências atuais. Emoções intensas, estado de ânimo, grau de vigília e cansaço podem modificar o pensamento. ... "no pensamento vive, portanto, o homem em sua plenitude".
O conhecimento humano representa um processo que começa com a sensação e termina com o raciocínio dialético. A sensação e o raciocínio são momentos diferentes, aspectos ou graus do mesmo processo do conhecimento. Por isso, não se pode separá-los. O mundo exterior age sobre nossos órgãos dos sentidos, provocando neles as sensações, e essas sensações em conexão indissolúvel com a atividade do pensamento oferecem o conhecimento dos objetos e de suas propriedades.
Sob a denominação de alterações do pensamento estudam-se as alterações da segunda fase do processo do conhecimento, isto é, os distúrbios do conhecimento racional ou intelectual constituído pela formação dos conceitos, a constituição dos juízos e elaboração do raciocínio.
Idéias Supervalorizadas (sobrevalorizadas)
As idéias podem conter uma sobrevalorização ou superestima, caracterizando assim aquilo que leigamente conhecemos por fanatismo. Com o passar do tempo toda a personalidade passa a ser absorvida pela Idéia Supervalirozada, a qual passa a exigir que se coloque à sua disposição todo comportamento do indivíduo. Esta pessoa, por sua vez, será insuflada até o limite de verdadeiras façanhas ou atitudes heróicas, quando não, poderá ser protagonista de tragédias monumentais. Encontramos o fanatismo presente em variadas figuras de nosso mundo cultural, em heróis épicos, em líderes religiosos e políticos, em personalidades carismáticas (como líderes religiosos, promovedores de suicídios coletivos).
Outra curiosidade que freqüentemente acompanha a trajetória dos indivíduos fanatizados é o fato de seu fanatismo aumentar ainda mais diante das situações que coloquem em risco a hegemonia de seus ideais. Isso faz com que suas atitudes adquiram muito mais ânimo e energia e se direcionem com heroísmo ao combate dos inimigos.
Com muita freqüência as Idéias Supervalorizadas coexistem com uma intelectualidade normal, portanto, até certo ponto, tais pacientes continuam gozando de perfeita mobilidade social e satisfatório desempenho ocupacional. Como a personalidade toda acaba por ser possuída pelas Idéias Supervalorizadas, logo a conduta social e ocupacional passam a servir aos propósitos fanatizados. Vem daí o empenho descomunal com que tais indivíduos atiram-se às suas tarefas, desde que, estas, como dissemos, atendam as aspirações superestimadas.
De modo geral, a idéia superestimada, prevalente ou supervalorizada reflete os traços dominantes da personalidade do indivíduo, daí a razão pela qual ele se identifica de modo completo com o seu conteúdo. De modo geral, as idéias superestimadas exercem uma influência danosa sobre o pensamento, orientando-o de maneira inflexível em determinada direção. Essas idéias podem ser consideradas patológicas quando estão em francas oposição ao ambiente e à lógica comum à todos e adquirem esse caráter francamente patológico quando impulsionam a conduta do indivíduo também por caminhos contrários à lógica e à razão. A diferença entre essas idéias e as idéias delirantes é que nas supervalorizadas, faltam as características principais dos delírios, tais como a certeza subjetiva, a impossibilidade de influência e de conteúdo e o fato de não serem totalmente estranhas ao eu como ocorre no delírio.
Os indivíduos perdidamente enamorados, os cientistas, magistrados, militares, sacerdotes, políticos, seguidores de seitas esdrúxulas, cultuadores da saúde e do corpo, integrantes de cultos exóticos, pesquisadores de fenômenos ocultos e sobrenaturais, simpatizantes de entidades que pesquisam extra-terrestres, etc, quando possuidores de personalidade mais frágil e tenuamente atrelada à realidade, podem manifestar Idéias Supervalorizadas acerca de suas atividades e, ao mesmo tempo, como dissemos, conseguir manter uma satisfatória capacidade para o convívio social. Sem dúvida, esta situação mental limítrofe ou borderline aumenta a periculosidade destes indivíduos, principalmente tendo em vista o fato de que nosso sistema sócio-cultural nem sempre tem critérios para diferenciar o ideal do possível. A retórica, a eloqüência, a boa apresentação social e, às vezes, um diploma universitário ou uma boa conta bancária têm sido condições suficientes para atestar a sanidade mental, principalmente se a pessoa estiver trajando terno e gravata.
Há sempre a possibilidade das Idéias Supervalorizadas contaminarem outras pessoas, notadamente quando divulgadas por alguém com poder de projeção social. Não é incomum um fanático conseguir lotar o estádio do Maracanã com 150 mil pessoas, dispostas a doarem seus bens e despojarem-se de seus óculos mediante a promessa de que estarão curados de seus problemas de visão.
Se as Idéias Superestimadas conseguirem atender os anseios íntimos dos espectadores elas, sem dúvida, os contaminarão. Numa retrospectiva histórica podemos detectar grandes grupamentos sociais que se deixaram envolver por Idéias Superestimadas, convenientemente propagadas, as quais resultaram em verdadeiro holocausto. E não faltam, hoje em dia, mais e mais novas correntes seguidoras de verdadeiros ideais supervalorizados à respeito de variadíssimos temas de nosso cotidiano: a xenofobia, o nacionalismo, a "verdadeira palavra de Cristo", a cultuação do corpo, o esdruxulismo de antigos conhecimentos orientais (os quais, se fossem tão pródigos, teriam coletado inúmeras invenções para o benefício da humanidade, como por exemplo, as vacinas, a eletricidade, o rádio, o raio x, etc), e outras excentricidades típicas de quem não consegue se adaptar ao convencional de sua cultura.
Idéias ObsessivasA intromissão indesejável de um pensamento no campo da consciência de maneira insistente e repetitiva, reconhecido pelo indivíduo como um fenômeno incômodo e absurdo, é denominado de Pensamento Obsessivo. Portanto, para que seja Obsessão é necessário o aspecto involuntário das idéias, bem como, o reconhecimento de sua conotação ilógica pelo próprio paciente, ou seja, ele deve ter crítica sobre o aspecto irreal e absurdo desta idéia indesejável.
Por definição, o pensamento obsessivo se constitui de representações que, sem uma tonalidade afetiva explicativa, aparecem na consciência com o sentimento de persistência obrigatória, impossibilitando seu afastamento por esforços voluntários e, conseqüentemente, dificultando e entorpecendo o curso normal das representações, mesmo que o indivíduo se dê conta de sua falta de fundamento, a falsidade de seu conteúdo e o caráter francamente patológico do fenômeno.
As Obsessões estão tão enraizadas na consciência que não podem ser removidas simplesmente por um aconselhamento razoável, nem por livre decisão do paciente. Elas parecem ter existência emancipada da vontade e, por não comprometerem o juízo crítico, os pacientes têm a exata noção do absurdo de seu conteúdo mental. Em maior ou menor grau, as Idéias Obsessivas ocorrem em todas as pessoas, notadamente quando crianças. Podem aparecer, por exemplo, como uma musiquinha conhecida que "não sai da cabeça", ou a idéia de que pode haver um bicho debaixo da cama, ou que o gás pode estar aberto apesar da lógica sugerir estar fechado.
Em crianças aparecem como um certo impedimento em pisar nos riscos da calçada, uma obrigatoriedade em contar as árvores da rua ou os carros que passam, etc. Estas idéias obrigatórias, quando exageradas e promovedoras de significativa ansiedade ou sofrimento, constituem quadro patológico.
A temática das Idéias Obsessivas pode ser extremamente variável, entretanto, em grande número de vezes diz respeito à higiene, contaminação, transmissão de doenças, bactérias, vírus, organização ou coisas assim. É muito freqüente também a existência de Idéias Obsessivas sobre um eventual impulso suicida, como por exemplo saltar da janela de edifícios, ou em ser acometido subitamente por impulsos de agressão e ferir pessoas, principalmente os filhos. Neste último caso a obsessão está justamente em acreditar que, diante de um mal estar súbito, vir a perder o controle e executar, impulsivamente, aquilo que sugere tais idéias.
São muitos os exemplos de pessoas que adotam uma conduta excêntrica motivadas pela obsessão da contaminação ou pelo medo continuado de contágio diante de qualquer coisa que lhes pareça suspeita. Há ainda, casos de pessoas que se sentem extremamente desconfortáveis quando próximas de objetos pontiagudos, facas, foices, etc, devido a idéia indesejável de que podem, repentinamente e misteriosamente, perder o controle e matar uma pessoa querida. Um paciente teve que retornar das férias porque, estando hospedado num apartamento do quinto andar, ficava o tempo todo ansioso devido a idéia de que poderia saltar pela janela se um impulso incontrolável viesse à sua consciência. Em todos estes casos o paciente tem pleno juízo do absurdo de seus pensamentos e reconhece, sofridamente, sua impotência em controlá-los.
Desta feita, a Obsessão é um processo mental que tem caráter forçado, uma idéia associada a um sentimento penoso que se apresenta ao espírito de modo repetido e incoercível. São idéias impostas ao psiquismo, incômodas e sentidas como involuntárias, as quais entram na mente contra uma resistência consciente.
Por outro lado a similaridade entre Obsessões e Fobias (tratadas mais adiante) foi observada já em 1878 por Westphal, criador do termo Fobias Obsessivas. Seriam medos que dominam a consciência, apesar da vontade do paciente que não consegue suprimi-los, embora reconheça-os como anormais. Aliás , vê-se muito bem, nos exemplos supra-citados, o componente de medo que normalmente acompanha as Idéias Obsessivas. A Obsessão de doença e contaminação pode ser entendida como uma Fobia de doença, uma ruminação mental sem fim em torno da possibilidade de sofrer qualquer tipo de doença .
Ainda que o fenômeno obsessivo seja distinto do fenômeno fóbico, é sempre bom ter em mente que ambos podem ser faces distintas de uma mesma moeda ou, o que mais provavelmente poderia ser, a fobia originando obsessão e vice-versa.
FobiasTal qual a Obsessão, a Fobia intromete-se persistentemente no campo da consciência e se mantém aí independentemente do reconhecimento de seu caráter absurdo. A característica essencial da Fobia consiste num temor patológico que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção, temor este dirigido a um objeto (ou situação) específico .
A Fobia é um medo absurdo, específico e intenso o qual, na maioria das vezes, é projetado para o exterior através de manifestações próprias do organismo. Essas manifestações normalmente tocam ao sistema neurovegetativo, tais como: vertigens, pânico, palpitações, distúrbios gastrintestinais, sudorese e perda da consciência por lipotímia. As manifestações autossômicas externadas pela fobia têm lugar sempre que o paciente se depara com o objeto (ou situação) fóbico.
O pensamento fóbico é tão automático quanto o obsessivo e o paciente tem plena consciência do absurdo de seus temores ou, ao menos, sabem-no como completamente infundados na intensidade que se manifestam. Resistem, os temores, a qualquer argumentação sensata e lógica. Aliás, o medo só será fóbico quando considerado injustificável pelo próprio paciente e, concomitantemente, for capaz de produzir reações adversas comandadas pelo sistema nervoso autônomo.
O medo na Fobia ataca de modo incontrolável diante de objetos e circunstâncias de todo naturais e, diante das quais, mesmo o paciente reconhecendo como ridículas, não poderá dominar-se. A denominação das Fobias diversas guarda uma relação etimológica com as situações desencadeadoras: Agorafobia (espaços abertos ou sair de casa); Claustrofobia (lugares fechados); Acrofobia (alturas); Ailérofobia (gatos); Antropofobia (gente); Zoofobia (animais); Xenofobia (estranhos); e assim por diante.
As Fobias podem ocorrer juntamente com qualquer outro sintoma psiquiátrico, podem fazer parte de variados graus de ansiedade e de depressão ou ainda, em várias neuroses e psicoses. De fato, não se trata de nenhum sintoma patognomônico de algum quadro psicopatológico específico. (Veja mais sobre Fobias em Transtornos Fóbico-Ansisos)
DelíriosJaspers define o Delírio com sendo um juízo patologicamente falseado e que apresenta três características:
1. Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável;
2. Impenetrabilidade e incompreensibilidade psicológica para o indivíduo normal, bem como, impossibilidade de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e;
3. Impossibilidade de conteúdo (da realidade).
Esta tríade proposta por Karl Jaspers é aceita pela psicopatologia clássica, notadamente pela tendência organodinâmica. É contestada, principalmente os itens 2 e 3, por autores psicodinâmicos, mais por uma questão de nosografia que de fenomenologia.
A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de Jaspers. Diante de um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal Conteúdo do Pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um delírio, mas sim de um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide.
Para ser Delírio a convicção dever ser sempre inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera.
Em relação à segunda regra, Jaspers alerta sobre a impossibilidade do Delírio ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade. A lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a falta de compreensão psicológica do Delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente.
Ao postular esta regra tríplice Jaspers definia aquilo que chamamos de Delírio Primário, ou seja, uma idéia falseada da realidade, cujas fantasias não desfilam elementos redutíveis de uma realidade especialmente vivida. Em outras palavras, esta irredutibilidade do Delírio quer dizer que não pode haver uma relação compreensível entre o tema delirante e possíveis vivência causadoras. O que se confunde, às vezes, são histórias de afastamento da realidade posteriores à traumas emocionais mas, como já dissemos, trata-se aqui de idéias deliróides e não de delírios francos.
Caso o Delírio se apresente de forma a sugerir um determinado mecanismo defensivo contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante, falamos em Delírio Secundário ou Idéia Deliróide. Aí sim, podemos reduzi-lo à uma análise vivencial e psicodinâmica plausível. Foi o que aconteceu com um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita. Nos dias seguintes ao acidente começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto suficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam.
Resumidamente, está claro que tal ideação emancipada da realidade era por demais compreensível: tratava-se de um mecanismo de defesa psicotiforme no qual, em Compensação à mutilação e deficiência o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia Deliróide (ou um Delírio Secundário), o qual habitualmente pode fazer parte de numa Reação Psicótica Aguda.
Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto podem aparecer em pessoas sem nenhuma vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial. Apenas aparecem e, aí sim, na impossibilidade de conteúdo ou de compreensibilidade estaremos diante de Delírio Primário. A Idéia Deliróide seria conseqüência de um estado afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário.
A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade . O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo.
Apesar do romantismo literário acerca da presumível viagem libertadora proporcionada pelos delírios por libertar o delirante das agruras de uma realidade sofrível, esta alteração do pensamento é considerada pela psicopatologia como uma das formas mais óbvias de empobrecimento mental, uma fixação regressiva e doentia que coloca o paciente num estreitíssimo corredor de possibilidades, numa quase ausência de livre arbítrio. Quer dizer exatamente o contrário daquilo que considerava a patologia da libertação; o delirante não é capaz de pensar aquilo que ele quer pensar, não tem possibilidades de admitir alternativas, falta lhe opção de raciocínio e é obrigado a conduzir-se estritamente nos trilhos estabelecidos pela sua doença.
É tal o empobrecimento mental do delirante que Henri Ey trata do assunto no capítulo reservado à Semiologia da Alienação da Pessoa e considera o Delírio como uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade. Trata-se, conforme Ey, de um distúrbio que se relaciona essencialmente com a concepção do mundo, manifestando-se através de uma inversão das relações do Ego com a realidade, enfim, uma alienação do Ego.
Segundo Kraepelin, "Delírios são idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento". Bleuler, por sua vez, dizia que "Idéias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas", determinava ele.
Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais naquilo que entendemos por Delírio Primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do Delírio Secundário. Segundo Kurt Schneider a Ideação Delirante pode apresentar-se através de três configurações semiológicas :
1. - Percepção DeliranteFala-se em Percepção Delirante quando o paciente atribui, à uma percepção normal da realidade, um significado anormal sem que, para isso, existam motivos compreensíveis. Não existe, neste caso, uma verdadeira alteração da percepção mas é a interpretação dessa percepção que sofre um juízo crítico distorcido, patológico e com uma significação muito especial.
Nas Percepções Delirantes um acontecimento trivial, uma palavra despretensiosa, um acontecimento cotidiano, são representados com uma significância toda particular e morbidamente distorcidos por interpretações mágicas, ameaçadoras e cheias de conotações misteriosas. Normalmente as Percepções Delirantes se fazem em caráter de auto-referência, ou seja, tudo o que acontece à sua volta passa a referir-se ao paciente, a ele dirigido e com propósitos claramente comprometedores de sua pessoa.
Um paciente, exemplo de ideação auto-referente, ouvindo na televisão uma orientação sobre a AIDS, considerou haver uma suspeita geral acerca da possibilidade dele estar sofrendo da doença e, para ele, os comentários da TV eram uma prova de que todos estivessem suspeitando de sua contaminação. Um outro, vendo que a esposa tinha modificado a disposição dos frascos de perfume sobre a penteadeira, considerou isso um indício seguro de estar sendo traído. Mais um, vendo que seu cunhado havia comprado relógio novo, deduziu estar ele recebendo dinheiro de seus inimigos com o propósito de denunciá-lo.
Estas Percepções Delirantes normalmente compõem aquilo que chamamos de Delírio Sistematizado, ou seja, uma ideação organizada tal qual uma historieta; com começo, seqüência e fim. A temática central, na maior parte das vezes, é de referência ao paciente. Assim, Delírio de Referência é uma idéia delirante cuja temática implica sempre em prejuízo, perseguição, dano ou punição do paciente. É um tipo de Delírio freqüentemente encontrado nas Percepções Delirantes.
2. - Ocorrência DeliranteResulta de uma crença delirante, puramente subjetiva, sem a necessidade de um estímulo a ser percebido. Não há um estímulo percebido com significação anormal, como acontece na percepção delirante, o que existe é uma Idéia Delirante independente da motivação ambiental.
O conteúdo da Ocorrência Delirante se refere, principalmente, a convicções de ordem religiosa, política, de capacidades especiais do paciente, podendo haver também uma temática de ciúme e perseguição. É sinônimo de Representações, Cognições ou Intuições Delirantes.
A caricatura do louco, estigmatizado pelo indivíduo que se considera Napoleão Bonaparte, exemplifica bem uma Ocorrência Delirante, ou seja, sem necessidade de interpretar estímulos ambientais ele simplesmente se acha Napoleão. Nossos exemplos mais comuns são de pacientes que se julgam possuidores de poderes sobrenaturais, telepatas, místicos, porta-vozes de divindades. Também os perseguidos, como uma senhora que referia uma cruel perseguição pelos vizinhos. Estes, seguidamente, viviam colocando animais peçonhentos em sua casa, instigando toda sorte de infortúnios. Na realidade estes vizinhos nem existiam, o prédio ao lado era um conjunto de escritórios.
3. - Reação DeliróideEm artigo de 1910, Jaspers relata dois casos que substanciam brilhantemente essa divisão entre Idéia Delirante e Idéia Deliróide. Ele sustentou, a certa altura, que o verdadeiro delírio de ciúme diferia de qualquer outra forma de produção mórbida de ciúme porque, em primeiro lugar, não partia de fatos reais (premissa falsa), logicamente aceitáveis e razoavelmente possíveis. Depois, porque não guardava nenhuma relação compreensível com disposições específicas de personalidade, com eventuais preocupações, com alguns complexos, conflitos ou com a dinâmica dos acontecimentos atuais.
Para Jaspers, o verdadeiro delírio de ciúme não podia, pois, ser explicado como traço de uma personalidade anormal no curso de seu desenvolvimento, mas sim, como algo novo que se inseria, em dado instante na linha vital do indivíduo, fazendo supor um desvio abrupto ou de uma quebra, uma profunda transformação qualitativa da própria estrutura pessoal.
Desde essa época foram estabelecidas as diferenças essenciais entre as estruturas Delirantes e Deliróides. Jaspers afirmava que o verdadeiro delírio é um fenômeno primário por excelência. Como fenômeno primário ele queria dizer psicologicamente incompreensível para o homem normal, portanto, sem compreensibilidade à nossa personalidade e sem nenhuma semelhança com eventuais vivências psíquicas que somos capazes de representar coerentemente.
Essas idéias resultam totalmente estranhas para nós, sendo, por isso, impenetráveis psicodinamicamente. Além do aspecto impenetrável, os juízos verdadeiramente delirantes devem trazer ainda o timbre da certeza subjetiva absoluta, da convicção interior irremovível. Essa não-influência psicológica seria, segundo Jaspers, outra característica típica da idéia delirante verdadeira, atestando assim sua irredutibilidade e incorrigibilidade, tanto por meio da persuasão lógica e irresistível, como através da evidência esmagadora dos fatos em contrário.
Na Depressão Grave, como sabemos e bem atestou Kurt Schneider, embora a tristeza vital seja considerada primária, no sentido de ser também incompreensível e psicologicamente irredutível, dela deriva e se vincula toda a gama de Idéias Deliróides depressivas. Essas Idéias Deliróides são pseudo-delírios ou Delírios Secundários, como os denomina Jaspers, por tomá-los psicologicamente compreensíveis e dentro do quadro clínico geral em que se formam. Atualmente fala-se também em Delírio Humor-Congruentes.
O mesmo fenômeno se observa no tocante às idéias de grandeza, tão bem observadas em estados maníacos como expressão natural do sentimento de onipotência. Nesses casos também devemos considerar o classicamente chamado delírio de grandeza como pseudo-delírio ou Idéias Deliróides, e não só aqueles observados nos maníacos, como também nos raros casos da paralisia geral progressiva.
Nos maníacos estas Idéias Deliróides se mostram compreensíveis e explicáveis em função da forma clínica expansiva da doença e, nos luéticos, são explicáveis, portanto secundários, em razão do processo mórbido orgânico-cerebral subjacente, portanto, são igualmente secundários. Assim, pois, as Idéias Deliróides podem ocorrer em abundância e secundariamente nos estados maníacos e depressivos, nas psicoses orgânicas, em certos oligofrênicos leves , em personalidades psicopáticas, nos sociopatas e nas psicoses reativas.
O tema do delírio, entretanto, não é suficiente para dizermos tratar-se de uma Idéia Delirante ou Deliróide. Assim como Jaspers baseou-se em delírios de ciúme para definir a Vivência Delirante Primária, Bleuler se baseia no mesmo delírio de ciúme, porém em alcoólatras, para discorrer sobre uma Vivência Delirante Secundária.

para referir:
Ballone GJ, Moura EC - Alterações do Pensamento in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008