Um dos objetivos da Psicologia da Saúde é conhecer e compreender os
fatores que influenciam os comportamentos das pessoas em relação à saúde
e a enfermidade para, a partir daí, desenvolver estratégias adequadas
de intervenção. Com tal propósito, a TCC utiliza uma variedade de
estratégias.
Vale ressaltar que o papel das técnicas em terapia não é reduzir o ser humano a uma concepção de realidade, e sim instrumentar o processo terapêutico. Cabe ao terapeuta selecionar de forma adequada o uso das intervenções, exigindose para isso uma postura cautelosa. As escolhas dos procedimentos na abordagem cognitivo-comportamental não são de simples manejo, como aparentam em um primeiro momento. São bem fundamentadas pela abordagem e exigem conhecimento dos princípios da terapia para sua utilização.
Vale ressaltar que o papel das técnicas em terapia não é reduzir o ser humano a uma concepção de realidade, e sim instrumentar o processo terapêutico. Cabe ao terapeuta selecionar de forma adequada o uso das intervenções, exigindose para isso uma postura cautelosa. As escolhas dos procedimentos na abordagem cognitivo-comportamental não são de simples manejo, como aparentam em um primeiro momento. São bem fundamentadas pela abordagem e exigem conhecimento dos princípios da terapia para sua utilização.
Uma terapia é a mistura da ciência e da arte, o terapeuta assume um papel duplo: o de cientista e o de artista. Considerase então, que as técnicas são possíveis caminhos de transição nessa tarefa dupla do terapeuta. ( Jasnow, 1978 citado por Silva, 2004)As variáveis cognitivas podem agir no sentido de promover a modificação de comportamentos, estimulando a adoção de padrões de enfrentamento mais adaptativos, tanto por parte dos pacientes como dos profissionais envolvidos. Isso significa dizer que a forma como o paciente interpreta sua doença, sintomas, tratamento e prognóstico irá influenciar seus sentimentos e sua reação comportamental. Essas interpretações poderão facilitar ou dificultar a adesão ao tratamento, tanto na enfermaria como no ambulatório. Portanto, um dos primeiros objetivos do psicólogo cognitivo-comportamental no hospital é identificar as interpretações do paciente acerca de seu processo saúdedoença para iniciar um trabalho de reestruturação de pensamentos disfuncionais, adotando interpretações que tenham base em evidências existentes na realidade ao invés da consideração de premissas irracionais.
1. Conceituação e Formulação de Problemas Médicos em TCC
Uma formulação delineia como um problema, queixa ou sintoma surgiu, como se manifesta e o que o mantêm. É o elo entre teoria e prática, onde uma explicação é formada, a partir da integração de aspectos físicos, psicológicos e sociais que norteiam a intervenção. Essa explicação é sempre considerada como uma hipótese, podendo ser reformulada em função de elementos novos ou mal compreendidos. Toda formulação deve ser devolvida e discutida com o paciente, de forma que ambos, terapeuta e paciente, possam entender o que está acontecendo. A formulação ajuda o paciente a sentir maior controle, aumentando sua autoeficácia e diminuir sua ansiedade. Além disso, forma uma aliança colaborativa com o terapeuta, que incentiva uma postura ativa para a resolução ou melhoria do quadro. Através da formulação, também fica mais claro para o paciente a relação entre pensamento - sentimento - comportamento e como esses fatores podem influenciar no problema médico e vice-versa.
De acordo com White (2000) podemos fazer uma diferenciação entre dois níveis de formulação: um nível de formulação de caso e um nível de formulação de problema. No nível da formulação de problemas ocorre a aplicação dos princípios da teoria cognitiva para a compreensão dos fatores que contribuíram para a ocorrência, severidade e natureza de um problema específico, por exemplo, um paciente se queixando de dor lombar crônica pode ter uma conceituação do problema, identificando pensamentos, sentimentos e comportamentos envolvidos nessa queixa específica. A intervenção é delimitada à queixa apresentada naquele momento. Essa intervenção é muito útil em situações ambulatoriais em que a intervenção do psicólogo no hospital precisa ser focal. Algumas perguntas podem ser úteis nesse nível de intervenção, como descritas na figura 1.
O nível de formulação de caso é uma intervenção mais profunda e abrangente que busca integrar todos os aspectos possíveis da vida do paciente, incluindo informações sobre experiências prévias com doença, informações sobre crenças pessoais e acerca do problema médico.
É importante analisar como todas essas variáveis interferem na vida da pessoa naquele momento, como influenciam seus comportamentos e sentimentos. Nesse nível, montase uma folha de conceituação cognitiva do caso, essa conceituação resumindo os aspectos mais importantes ativados no problema médico atual, relacionando o modo de funcionar antes e após a doença. Essa conceituação inclui os aspectos do modelo cognitivo descrito por Beck et al. (1997), como situações, sentimentos, pensamentos automáticos, comportamentos recorrentes. Com base no significado desses pensamentos automáticos e os dados relevantes da história de vida chega-se à hipótese de uma crença central, das suposições condicionais usadas para lidar com essa crença (uma positiva e outra negativa) e as estratégias comportamentais que a pessoa utiliza para lidar com a crença sem a doença, no início da doença e atualmente. Algumas perguntas são úteis nesse nível, como mostra a figura 2.
Abaixo segue o exemplo de um caso e sua formulação nos dois níveis, formulação ao nível de caso (figura 3) e formulação ao nível de problema (figura 4).
Exemplo de Caso:
J.A, sexo feminino, tem 45 anos, é casada há 20 anos e tem dois filhos (menino de oito e menina de 10). Seu pai é falecido e sua mãe tem mal de Alzheimer, vivendo atualmente em instituição particular para idosos. Possui um irmão de 35 anos que mora fora do Brasil. Relata sentirse sobrecarregada com os problemas da mãe, a quem visita todos os dias e exige que os filhos e marido a acompanhem no final de semana. Muitas vezes isso é motivo de briga. Relata que sua infância foi comum embora sentisse ciúmes do irmão. Diz que os pais tinham preferência por ele, tecendo inúmeros elogios e considerando-o "brilhante", opinião compartilhada por J.A. Os pais cobravam que tomasse conta dele, dando um "bom exemplo". Considera que na escola apresentava desempenho "médio", ficando sempre por volta da média oito. Nunca repetiu nem ficou de recuperação. Os seus pais sempre acharam que isso era obrigação e não mérito. A família de J.A era bastante exigente, seu pai cobrava sempre comportamentos considerados bons, como notas altas, dedicação a casa, arrumação e organização. Relata que quando criança, ao se machucar, o pai sempre lhe dizia para engolir o choro pois ela era forte e que não precisava chorar. Sua mãe era mais afetuosa porém jamais enfrentava o pai. Costumava dizer que "mulher deve sempre agradar o marido".
J.A se considera dedicada, formouse em engenharia química e trabalha em empresa do setor público. Gosta de seu trabalho e considerase exigente, sempre buscando a perfeição. Sua dedicação ao trabalho é grande, ficando na empresa por volta de 12 horas diárias, muitas vezes se alimentando e dormindo mal. Está acima do peso e faz dietas rápidas, como uma semana de sopa, mas sempre volta a engordar. Não tem tempo para atividade física. Quando chega do trabalho cobra dos filhos estudo (tarefas de casa do colégio) e prepara o jantar. A família tem o hábito de jantar unida. Seu marido trabalha como engenheiro em outra empresa, também o equivalente a ela em horas. Quando sai do trabalho vai sempre a academia, J.A. relata que ele é vaidoso, faz questão de fazer atividade física e alimentarse bem. Ela o estimula, só fazendo questão de sempre saber onde ele está. Age assim também com os filhos. Considera sua responsabilidade cuidar da casa e da rotina dos filhos. Por ficar preocupada com o futuro deles, acha importante ser exigente para prepará-los melhor para a vida, considerada por ela como "difícil".
Há 1 ano J.A recebeu o diagnóstico de câncer de mama e fez sua 1ª cirurgia. Relata estar há 2 anos sem tempo de ir ao ginecologista, e quando foi diagnosticada o tumor estava avançado, teve de fazer retirada total do seio e atualmente está fazendo quimioterapia.
Em um primeiro momento sua reação foi otimista ("fui forte"), enfrentou a cirurgia, ia ao médico sozinha e resolvia tudo. Porém, após receber a notícia da necessidade de quimioterapia, J.A passou a ficar irritada, agredindo verbalmente marido, filhos e médicos. Procura se isolar, não conversa sobre o problema com a família e sempre que tocam no assunto ela é agressiva. Não dorme mais no mesmo quarto do marido, sentindose aleijada, imperfeita e apresentando os seguintes pensamentos: "ele não pode ver isso, é horrível"; "não preciso dele, nem de ninguém, sempre me virei sozinha e posso continuar assim, eu é que sei da minha vida".
Está recebendo acompanhamento de uma terapeuta quando vai a clinica para receber a quimioterapia. Aceitou conversar com ela somente por achar que "não tem nada para fazer mesmo, tanto faz, meu médico faz questão e para ele não me encher eu aceito". Em uma conversa com a terapeuta J.A. disse sentir raiva da doença, sente-se culpada por não ter visto antes ("É culpa minha e vou sofrer sozinha, ninguém pode sofrer por minha estupidez e descuido"; "Como pude ser tão burra!"; "Sou um fracasso total, me descuidei"; "Não tem mais jeito"; "Essa doença é uma punição porque nunca me esforcei o suficiente na vida"; "Agora tenho mais que sofrer"; "Não posso parar de cuidar da casa e dos filhos e não posso parar de visitar minha mãe... mas me sinto cansada e muitas vezes enjoada para fazer as coisas... isso me arrasa"). Atualmente J.A não segue as recomendações médicas de dieta e repouso, muitas vezes fazendo coisas além do limite físico e prejudicando-se com isso.
No nível de formulação de caso, deve ocorrer a identificação de estruturas mais profundas do modelo cognitivo, as crenças centrais, suposições condicionais e estratégias comportamentais. As interpretações que um indivíduo faz do mundo estruturam-se progressivamente, durante seu desenvolvimento, formando crenças, regras ou esquemas. Estes ajudam a orientar, organizar, selecionar suas novas interpretações, bem como ajudam a estabelecer critérios de avaliação de eficácia ou adequação de sua ação no mundo (Rangé, 2001).
Entre os esquemas de um indivíduo, um ou alguns deles tendem a se estruturar como mais centrais, funcionando como condensador (es) das experiências recorrentes e/ou marcantes da relação com as pessoas significativas de sua formação. Uma crença central funciona como uma matriz das interpretações momentâneas das relações de um indivíduo com o mundo e dispara pensamentos automáticos que vão influenciar sentimentos e comportamentos. As suposições condicionais ajudam o indivíduo a funcionar cognitivamente em resposta à crença central, sendo uma suposição mais positiva e outra mais negativa, modulando sua ação e interpretação dos acontecimentos. As estratégias comportamentais se referem ao "como", ou seja, quais comportamentos o indivíduo desenvolve em resposta à crença central. A identificação e modificação dessas estruturas mais complexas é fundamental para uma resposta terapêutica duradoura em terapia cognitiva. Já a abordagem ao nível do problema é focal, objetivando a solução de problemas imediatos.
2. Distorções Cognitivas
Um dos objetivos da terapia cognitivo-comportamental é identificar e modificar distorções do pensamento que possam estar trazendo sofrimento ao indivíduo. As distorções cognitivas, como são chamadas, representam formas de interpretação que, em geral, privilegiam somente parte das informações disponíveis no meio em que a pessoa está inserida. Como não correspondem a uma forma de pensar baseada na análise completa das evidências, podem fazer com que o indivíduo chegue a conclusões falhas, limitando a percepção da situação e disparando sentimentos, reações físicas e comportamentos disfuncionais.
Embora todos os indivíduos possam apresentar distorções cognitivas, elas se apresentam com mais freqüência nos transtornos psicológicos. De acordo com Beck et al. (1997) cada transtorno emocional teria uma temática específica. Nos quadros depressivos, o conteúdo dos pensamentos giraria em torno da desvalorização e perda; nos ansiosos estariam presentes interpretações de perigo e ameaça e nas fobias, as preocupações sobre perigos situacionais.
Existem vários tipos de distorções. Apresentaremos, a seguir, exemplos de pensamentos comuns presentes nos pacientes hospitalares (Figura 5).
3. Treinamento de Habilidades Sociais
O treinamento em habilidades sociais (THS) não pode ser considerado uma técnica e sim um campo de estudo abrangente, porém está colocado aqui de forma resumida por usar diversas técnicas cognitivas e por ter uma contribuição rica na psicologia da saúde.
O campo de estudo das habilidades sociais é um campo recente que vem recebendo cada vez mais atenção, principalmente pela relação existente entre o repertório de habilidades sociais e a saúde, a satisfação pessoal, a realização profissional e a qualidade de vida (Del Prette e Del Prette, 2001).
Um exemplo de aplicação do THS na psicologia da saúde é sua utilização com pacientes com dor crônica. Na literatura científica, muitos estudos têm incluído o treino assertivo e de habilidades de comunicação no tratamento de pacientes com dor crônica (Cowan e Lovasike,1991; Corbin, Hanson, Hopp e Whitley ,1988; Philips, 1998; Caudill 1998; Winterowd, Beck e Gruener ,2003 e Penido, Rangé e Fortes, 2005).
Os resultados de um estudo sobre habilidades sociais em pacientes com fibromialgia e artrite reumatóide indicaram que, em comparação com um grupo controle sem dor crônica, os grupos com dor apresentaram um repertório de habilidades sociais mais comprometido, e, especificamente o grupo com fibromialgia, apresentou maior dificuldade nas habilidades assertivas dizer não e pedir mudança de comportamento (Penido, 2004).
Um exemplo do Treinamento de Habilidades Sociais com dor crônica é em relação ao tópico responsabilidade, uma forma de lidar com os problemas é responsabilizar os outros, normalmente isso aparece em frases iniciadas por "você". Em geral, esse tipo de comunicação gera uma resposta defensiva no outro, uma vez que o foco da comunicação está no outro. Afirmativas do tipo: "Você não liga para o meu problema!"; "A culpa é sua, está sempre me pressionando!" são exemplos disto. Os pacientes podem aprender a identificar quando estão usando frases que começam por "você" e tentar modificar para frases que começam com "eu".
Outra forma de responsabilizar os outros é iniciar frases perguntando "por que". Geralmente o objetivo de iniciar uma frase com por que é entender os motivos do outro para ter agido de uma determinada forma, porém tende a colocar o outro na defensiva com a sensação de ter de se explicar. Esse tipo de pergunta tende a ter um efeito negativo. Exemplos: "Por que você não me ajuda mais?"; "Por que você é sempre tão impaciente comigo?"; "Por que você grita comigo?"; "Por que você não liga para minha dor?". Em terapia, os pacientes podem aprender a transformar essa comunicação em um modo mais positivo, uma vez que eles já aprenderam a compreender a si mesmo e ao outros, identificando pensamentos, sentimentos e objetivos (Figura 6).
Programas para desenvolvimento de habilidades sociais são amplamente usados para melhorar a comunicação, sendo aplicado em trabalhos com enfermeiros, médicos e pacientes.
4. Relaxamento
O relaxamento pode ser definido com um esforço geral para se diminuir a excitabilidade do organismo. Podem ser usadas diferentes técnicas com esse objetivo, como a respiração diafragmática, imagem mental relaxante e relaxamento muscular progressivo, descritas a seguir.
Uma forma de relaxar é através da respiração. Um exemplo de respiração profunda é a diafragmática, cujo procedimento é o de encher o pulmão todo de ar, inclusive a parte inferior do pulmão, geralmente não utilizada na respiração pois a musculatura diafragmática comprime essa região, fazendo com que essa pequena área não seja aproveitada. Ao movimentarmos o diafragma para baixo, ou seja, "enchendo a barriga", promovemos a inspiração. O vácuo existente entre o diafragma e os pulmões faz com que esses se encham de ar, resultando em uma boa oxigenação. Movimentandose o diafragma para cima, ou seja, "encolhendo a barriga", promovemos o total esvaziamento dos pulmões, com ausência de resíduos de CO2. Esse tipo de respiração é calmante.
Podese aliar a respiração diafragmática a uma imagem mental relaxante. Neste caso, pedese ao paciente para deixar vir à mente uma imagem bem tranqüila, ocorrida em algum momento de sua vida. Após identificar a cena, o terapeuta explora os detalhes mais relaxantes e as sensações. A descrição da cena deve incluir os elementos emocionais (sinais visuais, sons, sensações de movimento, temperatura) que induzem a uma sensação de tranqüilidade. Posteriormente, o paciente deve utilizar a cena como recurso de relaxamento
Um tipo de relaxamento muito utilizado, principalmente no manejo da dor crônica e ansiedade, é o muscular progressivo. Esse relaxamento, proposto por Jacobson, ajuda o paciente a identificar diferentes níveis de tensão do organismo e livrar os músculos de tensão (Rangé, 2001). Nesta técnica é utilizada a contração muscular seguida de relaxamento, de diversos grupos musculares, iniciando pelos membros, depois o tronco e a cabeça. Através desse treino, a pessoa aprende a identificar e diferenciar níveis de tensão muscular podendo relaxar a musculatura quando ainda está se iniciando a tensão.
Alguns estudos apontam a eficácia do uso de técnicas de relaxamento em problemas médicos. Um estudo realizado por Aivazyan, Zaitsev, Salenko, Yurenev & Patrusheva (1988), investigando o uso do relaxamento em pacientes hipertensos, concluiu que o uso de técnicas de relaxamento produziu uma diminuição da pressão arterial em comparação a um grupo controle. Burish e Jenkins (1992) pesquisaram o uso de técnicas de relaxamento na diminuição dos efeitos colaterais de pacientes submetidos à quimioterapia. Este estudo, envolvendo 81 sujeitos, concluiu a eficácia da técnica. McCain et al. (2008) realizaram um estudo randomizado com 252 indivíduos HIV positivo, avaliando o uso de técnicas de relaxamento no aumento da resposta imunológica desses pacientes. Também nessa pesquisa foi encontrada uma resposta positiva da técnica em comparação a um grupo controle. Dessa forma, o uso de técnicas de relaxamento no setting hospitalar pode ser considerado uma forma de intervenção muito útil e variada.
5. Dessensibilização Sistemática
A dessensibilização sistemática, criada por Wolpe na década de 40, é das principais técnicas utilizadas no tratamento de fobias (Choy, Fyer & Lipsitiz, 2007). Ela consiste em treinar o indivíduo para que permaneça relaxado ao se expor às situações que lhe causem ansiedade. Para isto, primeiramente o paciente é submetido ao ensino e treino de técnicas de relaxamento. Depois uma escala crescente de ansiedade é construída, junto com o terapeuta, onde todas as situações temidas são listadas e organizadas hierarquicamente de acordo com o grau de medo que provoca no indivíduo. Podese utilizar uma escala de 0 a 100, onde 0 são as situações de nenhuma ansiedade e 100 as que provocam maior ansiedade.
Após a construção da hierarquia, o paciente é exposto a cada uma dessas situações, começando pela que dispare menor nível de ansiedade. Ao perceber que está ficando ansioso, é estimulado a utilizar a técnica de relaxamento até que se acalme e possa prosseguir com outra situação temida. Assim é feito progressivamente, até alcançar a de grau mais forte. Partindo do pressuposto de que relaxamento e ansiedade sejam respostas incompatíveis, onde uma não pode ocorrer junto com a outra, o objetivo é condicionar a sensação de relaxamento às situações fóbicas.
Para ilustrar a aplicação dessa técnica no ambiente hospitalar, podem ser citados estudos que investigam a eficácia da dessensibilização sistemática em pacientes com câncer que estejam sendo submetidos à quimioterapia (Carey & Burish, 1988; Redd & Andrykowski, 1982). Vários pacientes associam os sintomas da quimioterapia (estímulos incondicionados) a cheiros, sons e ao ambiente do procedimento (estímulos condicionados), disparando sintomas de náusea e vômito antes mesmo das sessões de quimioterapia. Esse processo torna o tratamento ainda mais estressante, fazendo com que alguns pacientes desistam de prossegui-lo.
A aplicação da técnica de dessensibilização sistemática a esses casos consiste em 1) treino em relaxamento; 2) construção de uma hierarquia de medos (ver figura 7); 3) visualização pelo paciente de cada uma das situações, sendo que ao sentir que está ficando ansioso, a imagem mental é paralisada e o relaxamento é iniciado até que o indivíduo volte a ficar calmo o suficiente para passar para a próxima situação da hierarquia.
Figura 7. Exemplo de uma hierarquia de medos para pacientes com náusea e vômitos antecipatórios em decorrência da quimioterapia
Uma variação dessa técnica pode ser aplicada em casos pediátricos. No cotidiano hospitalar, é comum que crianças fiquem muito ansiosas em relação aos instrumentos e procedimentos médicos. Agulhas, injeções, sangue e até mesmo o próprio setting hospitalar muitas vezes são tidos como ameaçadores. Isto pode desencadear comportamentos contraproducentes ao tratamento infantil, como recusa em tomar medicações, colaborar com exames, etc. Com o objetivo de diminuir essa ansiedade, os psicólogos podem organizar atividades lúdicas com as crianças cujo tema seja o próprio hospital. Podem ser utilizadas, por exemplo, seringas de plástico e fantasias de médico nas brincadeiras, para que se sintam mais relaxadas quando expostas a essa realidade.
6. Distração Cognitiva
A distração consiste na mudança do foco de atenção para outras situações que podem ser agradáveis e muitas vezes encontramse disponíveis no próprio ambiente. Um exemplo é o uso dessa técnica em pacientes com dor crônica. A influência da atenção na amplificação da dor é um processo bastante estudado. Diversos autores concordam que a atenção dirigida para dor aumenta a intensidade da experiência dolorosa e que distrair a atenção da dor diminui a intensidade da experiência dolorosa (Barsky, 1979,1992; Turk e Gatchel, 1996; McCracken, 1997; Keefe, Dunsmore & Burnett, 1992; Angelotti,1999; Pincus e Morley, 2001).
Com base na idéia de que a atenção influencia a percepção de dor, surgiu uma área recente de pesquisa que investiga o uso de programas de realidade virtual no tratamento de pacientes que sofreram queimaduras graves. De acordo com Hoffman, Patterson, Carrougher e Furness (2000), pacientes que sofreram queimaduras graves ao estarem em repouso reportam pouca ou nenhuma dor. No entanto, ao receberem cuidados médicos, como asseio das queimaduras e troca de bandagem, relatam níveis muito altos de dor. Esse dado se torna ainda mais relevante ao se pensar nas crianças vítimas de queimaduras graves. Uma alternativa para ajudar a diminuir o sofrimento desses pacientes tem sido o uso de programas de realidade virtual no tratamento. A idéia básica é usar esses programas para criar uma realidade virtual que prenda a atenção do paciente, distraindo-o da sensação dolorosa. O estudo supracitrado de Hoffman e colaboradores teve como objetivo comparar o efeito do uso de um programa de realidade virtual ao uso de vídeo-game na intensidade da dor relatada por dois pacientes que sofreram queimaduras graves ao trocarem as bandagens. Os dois pacientes relataram níveis menores de dor na troca das bandagens quando em uso do programa de realidade virtual em comparação a mesma situação jogando vídeo-game.
Um outro estudo piloto, realizado na Austrália, investigou o uso de programas de realidade virtual no tratamento de pacientes que sofreram queimaduras graves. Foram comparados dois grupos: o primeiro recebeu apenas medicação para aliviar a dor no momento da troca das bandagens e o segundo recebeu medicação e utilizou o programa de realidade virtual. O segundo grupo apresentou níveis menores de dor e ansiedade (Dunn, 2004).
Como foi visto, uma variedade de técnicas pode ser aplicada para potencializar o tratamento dos pacientes com problemas médicos. Foi objetivo dessa sessão discorrer sobre algumas técnicas cognitivo-comportamentais utilizadas na prática hospitalar. A apresentação dos resultados de pesquisas recentes teve o intuito de mostrar a importância e aplicabilidade crescente da TCC na psicologia da saúde.
Autores: Fernanda Martins Pereira; Maria Amélia Penido