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Alucinações e Delírios

Alterações sensoperceptivas e do pensamento são importante indicadores da sanidade mental.


 Alucinação é a percepção real de um objeto inexistente, ou seja, são percepções sem um estímulo externo. Dizemos que a percepção é real, tendo em vista a convicção inabalável que a pessoa manifesta em relação ao objeto alucinado, portanto, será real para a pessoa que está alucinando.

Sendo a percepção da Alucinação de origem interna, emancipada de todas variáveis que podem acompanhar os estímulos ambientais (iluminação, acuidade sensorial, etc.), um objeto alucinado muitas vezes é percebido mais nitidamente que os objetos reais de fato.

Tudo que pode ser percebido pode também ser alucinado e isso ocorre, imaginativamente, com maior liberdade de associações de formas e objetos. Na Alucinação, por exemplo, um leão pode aparecer de asas, ou um caracol que cavalga um ouriço. O indivíduo que alucina pode ter percebido isoladamente cada umas das formas e, mentalmente, combinado umas com as outras.

As alucinações podem manifestar-se também através de qualquer um dos cinco sentidos, sendo as mais freqüentes as auditivas e visuais. O fenômeno alucinatório se diferencia da ilusão no que tange à existência de estímulo externo já que na Alucinação não há estímulo e na ilusão o estímulo é percebido de forma deformada, ou em uma simplificação a ilusão é um “engano”dos sentidos. 

O fenômeno alucinatório tem conotação muito mais mórbida que a ilusão, sendo normalmente associado à estados psicóticos que ultrapassam a simplicidade de um engano dos sentidos. Na Alucinação o envolvimento psíquico é muito mais contundente que nos estados necessários à ilusão.

1 - Alucinações Auditivas
Alucinação é a percepção real de um objeto inexistente, ou seja, são percepções sem um estímulo externo. Dizemos que a percepção é real, tendo em vista a convicção inabalável da pessoa que alucina em relação ao objeto alucinado. Sendo a percepção da Alucinação de origem interna, emancipada de todas as variáveis que podem acompanhar os estímulos ambientais (iluminação, acuidade sensorial, etc.), um objeto alucinado muitas vezes é percebido mais nitidamente que os objetos reais de fato.

Tudo que pode ser percebido pelos 5 sentidos (audição, visão, tato, olfato e gustação) pode também ser alucinado. As alucinações sempre aproveitam o material consciente conhecido do pacientes. Na Alucinação, por exemplo, um leão pode aparecer de asas, ou um caracol que cavalga um ouriço. O indivíduo que alucina deve ter percebido isoladamente cada um dos objetos e, mentalmente, combina uns com os outros.
Embora as alucinações possam manifestar-se através de qualquer um dos cinco sentidos, as mais freqüentes são as auditivas e visuais.

Como as mais freqüentes, podem aparecer sob forma de sons inespecíficos, tais como chiados, zumbidos, ruídos de sinos, roncos, assobios, ou vozes, as quais podem ter as mais variadas características: diálogos entre mais de um interlocutor, comentários sobre atos do paciente, críticas sobre a pessoa que alucina, podem ainda, por outro lado, proferir injúrias e difamações, comunicar informações fantásticas, sonorizar o pensamento do próprio paciente ou de terceiros. Na idéia do paciente tais vozes podem ser provenientes do além, do sobrenatural, dos demônios ou de Deus, etc.

O fenômeno de perceber uma voz que não existe (percepção de objeto inexistente) é a Alucinação propriamente dita e, interpretá-la como sendo a voz do demônio, de Deus, dos espíritos mortos ou uma audição telepática já faz parte do DELÍRIO. Este, freqüentemente, acompanha a Alucinação. Ouvir vozes faz parte da sensopercepção e atribuir a elas algum significado faz parte do pensamento, cujos distúrbios veremos adiante.

Algumas vezes as vozes alucinadas podem determinar ordens ao paciente, o qual as obedece mesmo contra sua vontade. Diante desta situação, de obediência compulsória às ordens ditadas por vozes alucinadas, chamamos de AUTOMATISMO MENTAL. Esta situação oferece alguma periculosidade, já que, quase sempre, as ordens proferidas são eticamente condenáveis ou socialmente desaconselháveis.

Normalmente, a Alucinação auditiva é recebida pelo paciente com muita ansiedade e contrariedade pois, na maioria das vezes, o conteúdo de tais vozes é desabonador, acusatório, infame e caluniador. Quando elas ditam antecipadamente as atitudes do paciente falamos em SONORIZAÇÃO DO PENSAMENTO, como se ele pensasse em voz alta ou como se alguma voz estivesse permanentemente comentando todos seus atos: " lá vai ele lavar as mãos", "lá vai ele ligar a televisão" e assim por diante.

2 - Alucinações Visuais
São percepções visuais, como vimos, de objetos que não existem, tão claras e intensas que dificilmente são removíveis pela argumentação lógica. Mesmo o paciente referindo ter visto apenas vultos, tais vultos são muito fielmente percebidos, portanto são reais para a pessoa que os percebe. O objeto alucinado pode não ter uma forma específica: clarões, chamas, raios, vultos, sombras, etc, ou têm formas definidas, tais como pessoas, monstros, demônios, animais, santos, anjos, bruxas.

Há determinadas ocasiões onde o transtorno visual alucinatório adquire a consistência de uma cena, uma situação como, por exemplo, ver uma carruagem passando pela paciente e dela descer um príncipe. Neste caso falamos em ALUCINAÇÕES ONIRÓIDES, como se transcorresse num sonhar acordado. No Delirium Tremens do alcoolista, por exemplo, as alucinações visuais têm uma temática predominantemente de bichos e animais peçonhentos (cobras, aranhas, percevejos, jacarés, lagartos) e, neste caso, damos o sugestivo nome de ZOOPSIAS, promovedoras de grande ansiedade e apreensão.

Nas situações onde o paciente se vê fora de seu próprio corpo falamos em ALUCINAÇÕES AUTOSCÓPICAS e, quando ele consegue ver cenas e objetos fora de seu campo sensorial, como enxergar do lado de fora da parede, teremos as ALUCINAÇÕES EXTRA-CAMPINAS.

O conteúdo das alucinações é extremamente variável, porém, guarda sempre uma íntima relação com a bagagem cultural do paciente que alucina. Não é possível alucinar com alguma coisa que não faça parte do mundo psíquico do paciente. Um físico nuclear pode alucinar com um certo brilho atômico a revestir seus inimigos, enquanto um cidadão menos diferenciado, com um espírito do morto a rondar sua casa, ambos porém, independentemente do nível sócio-cultural têm a mesma probabilidade de alucinar. A sofisticação e exuberância do material alucinado dependerá da bagagem cultural de quem alucina mas não interfere na valorização semiológica do fenômeno.

3 - Alucinações Táteis
A percepção de estímulos táteis sem que exista o objeto correspondente é observada principalmente nas psicoses tóxicas e nas psicoses delirantes crônicas, como veremos adiante. Nestes casos, principalmente no Delirium Tremens ou na dependência de cocaína, o paciente sente-se picado por pequenos animais, insetos esquisitos, vermes que caminham sobre a pele, pancadas, alfinetadas, queimaduras, estranhos carrapatos que penetraram em algum orifício fisiológico,etc. Freqüentemente as alucinações táteis com pequenos insetos é acompanhada por um Delírio de infestação também chamado de Síndrome de Ekbom. Não são raros os casos de Alucinação tátil que se caracteriza pela sensação de ter-se as pernas puxadas à noite ou estrangulamento, sufocação ou opressão antes de conciliar o sono.

Quando esta percepção falseada diz respeito aos órgãos internos ou ao esquema corporal falamos em ALUCINAÇÕES CENESTÉSICAS. Nestes casos os pacientes sentem como se tivessem seu fígado revirado, esvaziado seu pulmão, seus intestinos arrancados, o coração rasgado, o cérebro apodrecido e assim por diante. As Alucinações Cenestésicas devem ser diferenciadas das ALUCINAÇÕES CINESTÉSICAS, que não dizem respeito à sensação tátil, mas sim aos movimentos (cine-movimento). Nas cinestesias os pacientes percebem as paredes movendo-se ou eles próprios movendo-se no espaço.

Exemplo: um paciente delirante crônico sentia que seu cérebro estava infestado de germes, os quais, esporadicamente, escorriam-lhe pelo nariz. Neste caso uma Alucinação Tátil Cenestésica. Outro queixava-se de inúmeros percevejos que furavam-lhe a pele o tempo todo. Era um portador de Delirium Tremens, e, inclusive, mostrava os insetos que conseguia apanhar para o médico (zoopsia+aluc. tátil). Trata-se de Alucinações Táteis puras. Outro, já idoso, que sabia ter seus pulmões corroídos por vermes provenientes de carne suína, tossia seguidamente e vivia submetendo-se a freqüentes exames de raios X. Neste último caso, uma Alucinação Cenestésica pura.

4 - Alucinações Olfativas
Normalmente, as alucinações olfativas e gustativas estão associadas e são raras. Estados delirantes cujo tema diz respeito à putrefação, o gosto e os odores podem ser muito desagradáveis e são percebidos, como é típico de todas alucinações, sem que exista o objeto correspondente ao gosto e ao cheiro. Algumas auras epilépticas determinam o aparecimento de alucinações gustativas e/ou olfativas. Em geral os gostos alucinados aparentam ser de sangue, terra, catarro ou qualquer outra coisa desagradável; os odores podem ser desde perfumes exóticos até de fezes.

5 - Alucinações Compostas ou Mistas
São as alucinações onde estão envolvidas mais de um modalidade sensória podendo ser descrito a visão de um homem (alucinação visual) que fala (alucinação auditiva) e por vezes o toda (alucinação tátil). Essa apresentação é mais comum em quadro com rebaixamento de consciência mas pode ocorrer também em quadros esquizofrênicos.

Delírio
Jaspers define o Delírio Primário ou puro como sendo um juízo patologicamente falso da realidade. Este juízo falso deve apresentar três características: 
1 - deve apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável;
2 - deve ser impenetrável e incompreensível para o indivíduo normal, bem como, impossível de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e;
3 - impossibilidade de conteúdo plausível.
Todos os casos que não satisfazem essa tríade não podem ser considerados Delírios Verdadeiros ou Delírios Primários (podem ser Idéias Deliróides ou Delírios Secundários).

A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de Jaspers. Diante de um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal Conteúdo do Pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um Delírio, mas sim de um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide. Para ser Delírio a convicção dever ser sempre inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera.

Em relação à segunda regra, Jaspers alerta sobre a impossibilidade do Delírio ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade. A lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a falta de compreensão psicológica do Delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente. Ao postular esta regra Jaspers definia aquilo que chamamos de DELÍRIO PRIMÁRIO, ou seja, uma idéia falseada da realidade, cujas fantasias não guardam relação com a realidade vivida. Em outras palavras, esta irredutibilidade do Delírio quer dizer que não pode haver uma relação compreensível entre o tema delirante e possíveis vivência causadoras. O que se confunde, às vezes, são histórias de afastamento da realidade posteriores à traumas emocionais mas, como já dissemos, trata-se aqui de Idéias Deliróides ou DELÍRIO SECUNDÁRIO.

Nesses casos, secundários e relacionados à vivências traumáticas, o Delírio se apresenta de forma a sugerir um determinado Mecanismo de Defensa contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante, por isso falamos em DELÍRIO SECUNDÁRIO ou IDÉIA DELIRÓIDE. Aí sim, podemos interpretá-lo mediante uma análise vivencial e psicodinâmica plausíveis.

Exemplo: Um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto suficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam. Resumidamente, está claro que tal ideação emancipada da realidade era por demais compreensível: tratava-se de um mecanismo de defesa psicotiforme no qual, em COMPENSAÇÃO à mutilação e deficiência o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia Deliróide (ou um Delírio Secundário), o qual habitualmente pode fazer parte de numa Reação Psicótica Aguda.

Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto quando surgem em pessoas sem nenhuma vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial e impossíveis de conteúdo ou de compreensibilidade são os verdadeiros Delírios Primários. Já, a Idéia Deliróide, seria conseqüência de um estado afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário.

A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade. O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo.

Henri Ey trata do Delírio no capítulo reservado à Semiologia da Alienação da Pessoa e considera-o como uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade. Trata-se, conforme Ey, de um distúrbio que se relaciona essencialmente com a concepção do mundo, manifestando-se através de uma inversão das relações do Ego com a realidade, enfim, uma alienação do Ego.

Segundo Kraepelin, "Delírios são idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento". Bleuler, por sua vez, dizia que "Idéias Delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas", determinava ele. Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais naquilo que entendemos por Delírio Primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do Delírio Secundário.

Alucinações e Delírios na esquizofrenia

 Esquizofrenia

A Esquizofrenia é uma doença da Personalidade total que afeta a zona central do eu e altera toda estrutura vivencial. Culturalmente o esquizofrênico representa o estereotipo do "louco", um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida. Agindo como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural, o esquizofrênico menospresa a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias.


Segundo Kaplan, aproximadamente 1% da população é acometido pela doença, geralmente iniciada antes dos 25 anos e sem predileção por qualquer camada sócio-cultural. O diagnóstico baseia-se exclusivamente na história psiquiátrica e no exame do estado mental. É extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia antes dos 10 ou depois dos 50 anos de idade e parece não haver nenhuma diferença na prevalência entre homens e mulheres.

Esquirol (1772-1840) considerava a loucura como sendo a somatória de dois elementos: uma causa predisponente, atrelada à personalidade, e uma causa excitante, fornecida pelo ambiente. Hoje em dia, depois de muitos anos de reflexão e pesquisas, a psiquiatria moderna reafirma a mesma coisa com palavras atualizadas. O principal modelo para a integração dos fatores etiológicos da esquizofrenia é o modelo estresse-diátese, o qual supõe o indivíduo possuidor de uma vulnerabilidade específica colocada sob a influência de fatores ambientais estressantes (causa excitante). Em determinadas circunstâncias o binômio diátese-estresse proporcionaria condições para o desenvolvimento da esquizofrenia. Até que um fator etiológico para a doença seja identificado, este modelo parece satisfazer as teorias mais aceitas sobre o assunto. 

Alguns sintomas, embora não sejam específicos da Esquizofrenia, são de grande valor para o diagnóstico. Seriam:
1- audição dos próprios pensamentos (sob a forma de vozes)
2- alucinações auditivas que comentam o comportamento do paciente
3- alucinações somáticas
4- sensação de ter os próprios pensamentos controlados
5- irradiação destes pensamentos
6- sensação de ter as ações controladas e influenciadas por alguma coisa do exterior.
7- dar significado especial a algum evento corriqueiro (PERCEPÇÂO DELIRANTE)
Tentando agrupar a sintomatologia da esquizofrenia para sintetizar os principais tratadistas, teremos destacados três atributos da atividade psíquica: comportamento, afetividade e pensamento. Os Delírios surgem como alterações do conteúdo do pensamento esquizofrênico e as alucinações como pertencentes à sensopercepção. Ambos acabam sendo causa e/ou conseqüência das alterações nas 3 áreas acometidas pela doença (comportamento, afetividade e pensamento).

Delírios
Os Delírios na Esquizofrenia podem sugerir uma interpretação falsa da realidade percebida. É o caso por exemplo, do paciente que sente algo sendo tramado contra ele pelo fato de ver duas pessoas simplesmente conversando. Trata-se, neste caso, de uma Percepção Delirante. Desta forma, a Percepção Delirante necessita de algum estímulo para ser delirantemente interpretado (no caso, duas pessoas conversando). Outras vezes não há necessidade de nenhum estímulo à ser interpretado, como por exemplo, julgar-se deus. Neste caso trata-se de uma Ocorrência Delirante. O tipo de Delírio mais freqüentemente encontrado na Esquizofrenia é do tipo Paranóide ou de Referência, ou seja, com temática de perseguição ou prejuízo no primeiro caso e de que todos se referem ao paciente (rádios, vizinhos, televisão, etc) no segundo caso.

Na Esquizofrenia os Delírios surgem paulatinamente, sendo percebidos aos poucos pelas pessoas íntimas aos pacientes. Em relação ao Delírio de Referência, inicialmente os familiares começam à perceber uma certa aversão à televisão, aos vizinhos, etc.

Alucinações
As Alucinações mais comuns na Esquizofrenia são do tipo auditivas, em primeiro lugar e visuais em seguida. Conforme diz Schneider, "de valor diagnóstico extraordinário para o diagnóstico de uma Esquizofrenia são determinadas formas de ouvir vozes: ouvir os próprios pensamentos (pensar alto), vozes na forma de fala e respostas e vozes que acompanham com observações a ação do doente". Esta Sonorização do Pensamento, juntamente com alguns outros sintomas que envolvem alucinações auditivas e sensações de ter os próprios pensamentos influenciados por elementos externos, compõem a sintomatologia que Schneider considerou como sendo de Primeira Ordem.

Um esquizofrênico pode estar ouvindo sua própria voz, dia e noite, sob a forma de comentários e antecipações daquilo que ele faz ou pretende fazer , como por exemplo: "ele vai comer" ou ainda, "o que ele está fazendo agora ? Está trocando de roupas". Outro sintoma importante no diagnóstico da esquizofrenia é a sensação de que o pensamento está sendo irradiado para o exterior ou mesmo sendo subtraído ou "chupado" por algo do exterior: Subtração e Irradiação do pensamento, também considerados de Primeira Ordem. Igualmente podemos encontrar a sensação de que os atos estão sendo controlados por forças ou influências exteriores.

Sintomas de Primeira Ordem segundo Kurt Schneider
  • Percepção delirante
  • Alucinações auditivas na forma de vozes que acompanham a própria atividade com comentários
  • Alucinações auditivas na forma de vozes que dialogam entre si
  • Sonorização do pensamento
  • Vivência de influência corporal
  • Roubo do pensamento
  • Vivência de influência sobre o pensamento
  • Difusão ou irradiação do pensamento
  • Tudo aquilo que é feito ou influenciado por outrem no campo dos sentimentos, dos impulsos e da vontade
Todas as demais alucinações, auditivas, visuais, tácteis, olfatórias, gustativas, cenestésicas e cinestésicas, embora sejam consideradas sintomas acessórios por Bleuler, aparecem na esquizofrenia com freqüência bastante significativa. Normalmente as alucinações auditivas são as primeiras a aparecer e as últimas a sumir.

ALUCINAÇÕES E DELÍRIOS NA PSICOSE CRÔNICA (Paranóia)
De acordo com Kraepelin, a Paranóia é uma entidade clínica caracterizada, essencialmente, pelo desenvolvimento insidioso de um sistema delirante duradouro e inabalável mas, apesar desses Delírios há uma curiosa manutenção da clareza e da ordem do pensamento, da vontade e da ação. Ao contrário dos esquizofrênicos e doentes cerebrais, onde as idéias delirantes são um tanto desconexas, nesta Psicose Delirante Crônica as idéias se unem num determinado contexto lógico para formar um sistema delirante total, rigidamente estruturado e organizado.

A característica essencial desse Transtorno Delirante Persistente é a presença de um ou mais Delírios não-bizarros que persistem por pelo menos 1 mês. Para o diagnóstico é muito importante que o delírio do Transtorno Delirante Persistente não seja bizarro nem seja desorganizado, ou seja, ele deve ter seu tema e script organizado e compreensível ao ouvinte, embora continue se tratando de uma falsa e absurda crença. As alucinações não são proeminentes e nem habituais, embora possam existir concomitantemente. Quando existem, a alucinações táteis ou olfativas costumam ser mais freqüentes que as visuais e auditivas.

Normalmente o funcionamento social desses pacientes Paranóicos não está prejudicado, apesar da existência do Delírio. A maioria dos pacientes pode parecer normais em seus papéis interpessoais e ocupacionais, entretanto, em alguns o prejuízo ocupacional pode ser substancial e incluir isolamento social. A impressão que se tem é a de uma ilha de Delírio num mar de sanidade, portanto, uma espécie de Delírio insular.

Um paciente, por exemplo, convencido de que será assassinado por perseguidores implacáveis pode desenvolver isolamento social e abandonar o emprego. Em geral, além do funcionamentos social comprometido, também o relacionamento conjugal pode sofrer prejuízos. Na Esquizofrenia o comprometimento social mais acentuado costuma ser a regra.

Esses Delírios normalmente são interpretativos, egocêntricos, sistematizados e coerentes. Pode ser de prejuízo, de perseguição ou de grandeza, impregnado ou não de tonalidade erótica ou com idéias de invenção ou de reforma. Também é freqüente o delírio de ciúme, mais encontradiço nas mulheres. Estas estão sempre se deparando com provas "contundentes" acerca dos muitos relacionamentos sexuais de seus maridos.

Tipos de Psicoses Delirantes Persistentes (Crônicas)
1 - Tipo Erotomático
Neste caso o delírio habitualmente se refere ao amor romântico idealizado e a união espiritual, mais do que a atração sexual. Acreditam, freqüentemente, ser amados por pessoa do sexo oposto que ocupa uma posição de superioridade (ídolos, artistas, autoridades, etc.) mas, pode também ser uma pessoa normal e estranha.

2 - Tipo Grandeza
Neste subtipo de Transtorno Delirante Persistente a pessoa é convencida, pelo seu delírio, possuir algum grau de parentesco ou ligação com personalidades importantes ou, quando não, possuir algum grande e irreconhecível talento especial, alguma descoberta importante ou algum dom magistral. Outras vezes acha-se possuidor de grande fortuna.

3 - Tipo Ciúme
Neste tipo de Paranóia a pessoa está convencida, sem motivo justo ou evidente, da infidelidade de sua esposa ou amante. Pequenos pedaços de "evidência", como roupas desarranjadas ou manchas nos lençóis podem ser coletados e utilizados para justificar o delírio. O paciente pode tomar medidas extremas para evitar que o companheiro(a) proporcione a infidelidade imaginada, como por exemplo, exigindo uma permanência no lar de forma tirana ou obrigando que nunca saia de casa desacompanhado(a).

4 - Tipo Persecutório
É o tipo mais comum entre os paranóicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição, envenenamento ou intoxicação com drogas ou estar sendo alvo de comentários maliciosos.

5 - Tipo Somático (Parafrenia)
A Formação Delirante do Tipo Somático, como justifica o nome, caracteriza-se pela ocorrência de variadas formas de delírios somático e, neste caso, com maiores possibilidades de alucinações que outros tipos de Paranóia. Os mais comuns dizem respeito à convicção de que a pessoa emite odores fétidos de sua pele, boca, reto ou vagina, de que a pessoa está infestada por insetos na pele ou dentro dela, esdrúxulos parasitas internos, deformações de certas partes do corpo ou órgãos que não funcionam.

Delírios e Alucinações nos Transtornos Afetivos
A Depressão Grave (ou Maior, segundo o DSM-IV), é um Transtorno Afetivo de características depressivas e de natureza predominantemente biológica. Era, anteriormente, chamada de PMD (Psicose Maníaco Depressiva), tipo ou fase depressiva. Atualmente classifica-se em TRANSTORNOS DO HUMOR, subtipos EPISÓDIO DEPRESSIVO (quando único) ou TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE (quando múltiplos).

O que encontramos mais freqüentemente nos distúrbios depressivos são sintomas atrelados predominantemente à afetividade, normalmente sem severo prejuízo da crítica, sintomas estes decorrentes de uma tríade sintomática básica e caracterizada por: 
1 - estreitamento do campo vivencial;
2 - inibição psíquica e;
3 - sofrimento moral. 
Entretanto, nos casos mais graves há a classificação de DEPRESSÃO MAIOR COM SINTOMATOLOGIA PSICÓTICA, quando então temos delírios e alucinações, confusão ou outros sintomas francamente psicóticos. Apesar da exuberância de tais sintomas, devemos ter sempre o cuidado em considerar tais fenômenos psicóticos (neste caso da depressão) como sendo de natureza secundária ao humor e não primária como nas esquizofrenias.

Como o nome diz, são SINTOMAS PSICÓTICOS e não uma doença psicótica. Em graus mais severos, a depressão maior pode resultar num quadro francamente autista, exuberantemente delirante ou mesmo alucinatório, porém, tais sintomas serão sempre de natureza secundária à própria depressão.

Embora o juízo crítico possa estar conservado nos pacientes deprimidos, suas vivências são suportadas com grande sofrimento e com perspectivas tão pessimistas que a interpretação da realidade assume caráter alterado: vai desde idéias falseadas, passando por idéias supervalorizadas, até o Delírio humor-congruente franco. Por não se tratar de um fenômeno de natureza primária, mas sim secundário ao afeto depressivo, alguns autores chamam esses delírios humor-congruentes de idéias deliróides .

O tema dos Delírios nos pacientes deprimidos é, de acordo com a idéia de humor-congruência (compatível com o humor) de ruína, de pecado, de podridão ou qualquer outro tema auto-pejorativo. O mesmo fenômeno pode aparecer nos casos de Euforia, ou seja, nas fases de euforia do TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (antigo PMD, fase de Euforia). Neste caso a temática delirada será de grandeza, de messianismo, de super-poderes ou coisas que enaltecem delirantemente o ego do paciente.

DELÍRIOS E ALUCINAÇÕES NA ALUCINOSE ORGÂNICA
O termo Alucinose designa uma Síndrome Cerebral Orgânica na qual as Alucinações, em uma ou mais modalidades sensitivas, constituem a anomalia psicológica predominante e às vezes única. Nestes casos os Delírios são raridade.

As três características adicionais mais importantes para o diagnóstico para a Alucinose Orgânica são: 
1- falta de prejuízo da consciência,
2- ausência de sinais sugestivos de uma psicose e,
3- atividade alucinatória constante e recorrente. 
Na clínica o termo Alucinose encontra-se freqüentemente associado ao alcoolismo, chamando-se este estado de Alucinose Alcoólica. Trata-se de uma espécie de variante da síndrome de abstinência, mas que aparece nos alcoolistas independentemente da privação do álcool.

A Alucinose é também decorrente de estados tóxico proporcionados por diversas drogas, como por exemplo a cocaína, o LSD, brometos, maconha, antiparkinsonianos. Além das drogas, reconhece-se o potencial psicotizante de estados infecciosos (pneumonias, etc.), metabólicos (uremias, diabetes, etc.) e traumáticos e lesionais (traumatismos cranianaos, tumores), ou ainda por foco irritativo dos lobos temporais e occipital, sempre porém, de origem extra-psíquica.

DELÍRIOS E ALUCINAÇÕES NA PSICOSE REATIVA (Transtorno Psicótico Transitório)
A Psicose Reativa Breve se caracteriza pelo aparecimento abrupto dos sintomas psicóticos sem a existência de sintomas pré-mórbidos e, habitualmente, seguindo-se à um estressor psicossocial. Os sinais e sintomas clínicos são similares àqueles vistos em outros distúrbios psicóticos, como na Esquizofrenia e nos Transtornos Afetivos com Sintomas Psicóticos. O prognóstico é bom e a persistência de sintomas residuais não ocorre. Durante o surto observa-se incoerência e acentuado afrouxamento das associações, delírios, alucinações e comportamento catatônico ou desorganizado. Há componentes afetivos com mudanças bruscas de um afeto para outro, perplexidade e confusão.

A Organização Mundial de Saúde, através da Classificação Internacional de Doenças (CID), recomenda que esta categoria de psicose deve ser restringida ao pequeno grupo de afecções psicóticas, em grande parte ou totalmente atribuídas a uma experiência existencial recente. Deve ser entendida como uma alteração psicótica na qual os fatores ambientais tem a maior influência etiológica.

Trata-se de reações cuja natureza não é só determinada pela situação psicotraumática, mas também pelas predisposições da personalidade. A maioria das reações psíquicas mórbidas desenvolve-se em função de uma perturbação de caráter que predispõe a elas. Tal perturbação será fruto de um desenvolvimento psicorreativo anormal.

O desenvolvimento da Psicose Reativa pode satisfazer a necessidade do paciente em representar, simbolicamente, a si e aos outros através da natureza interna de suas contradições, angústias e paixões, numa espécie de falência aguda de sua capacidade de adaptação a uma situação sofrível.

Deve haver na Psicose Reativa Breve, de uma maneira ou outra, um certo lucro subjetivo na medida em que o paciente vive à margem da realidade traumática e insuportável; transfere seu próprio fracasso para um Delírio persecutório, recolhe-se da realidade numa postura autística, nega a existência num estado amnésico e assim por diante. Pode ser de grande alívio a transferência da tonalidade afetiva de um objeto para outro, ou de um complexo de idéias para um outro complexo secundário psiquicamente anárquico, onde as coisas se encaixam numa lógica doentia e fantástica.

Causas
Por definição, de acordo com Kaplan, um estressor vivencial significativo constitui um fator etiológico para este distúrbio, entretanto, melhor seria pensar nestes fatores estressantes mais como desencadeantes do surto psicótico agudo. Portanto, a patologia terá bases tanto biológicas quanto psicológicas. Devem ser enfatizados os mecanismos de relacionamento inadequados e a possibilidade de ganho emocional primário ou secundário com a eclosão do surto agudo. Há hipóteses que a psicose representaria um mecanismo de defesa a um estressor específico.

Sintomas
A característica essencial deste distúrbio é o início súbito dos sintomas psicóticos que persistem por um tempo inferior a um mês, com eventual retorno ao nível pré-mórbido de funcionamento. Os sinais e sintomas clínicos são similares àqueles vistos em outros estados psicóticos, tais como na Esquizofrenia e nos Transtornos Afetivos com Sintomas Psicóticos.

O comportamento pode ser bizarro, com posturas peculiares, trejeitos esquisitos, gritos ou mutismo completo. Freqüentemente há significativa desorientação, confusão e distúrbios de memória. Alucinações transitórias, delírios e confabulações podem estar presentes. O quadro é mais freqüente na adolescência e idade adulta jovem.

São freqüentes, também, as modificações rápidas de um afeto intenso para outro, a perplexidade e regressão com atitudes pueris. O comportamento catatônico ou desorganizado é comum e isso pode confundir com os casos de simulação, Síndrome de Ganser ou mesmo histeria.

Curso e Prognóstico
Não existem sintomas prodrômicos anteriores ao estressor desencadeante, embora possam existir traços de personalidade sugestivos de algum distúrbio prévio. O aparecimento da sintomatologia segue o estressor em poucas horas, não duram mais de um mês e a depressão posterior é freqüente. 
ASPECTOS DE BOM PROGNÓSTICO(10)
Boa adaptação emocional pré-mórbida (antes do surto)
Poucos traços Esquizóides de personalidade pré-mórbidos
Grave estressor emocional precipitante
Aparecimento agudo e repentino dos sintomas
Sintomas afetivos presentes (depressão, normalmente)
Confusão e perplexidade durante a crise
Pouco empobrecimento afetivo
Curta duração dos sintomas
Ausência de parentes esquizofrênicos
É muito difícil a diferenciação entre a Psicose Reativa Breve e a Depressão Maior com Sintomas Psicóticos. Para tal distinção é fundamental a verificação minuciosa da personalidade pré-mórbida e suas associações com traços depressivos ou esquizóides. A abordagem antidepressiva medicamentosa consegue resolver grande número de casos, o que nos faz suspeitar do evidente envolvimento afetivo em tais transtornos, ainda que não tenha havido nenhuma manifestação prévia de depressão com nítidas características psicóticas. Teoricamente isso é bem possível, já que a eclosão da Psicose posterior à agressão emocional pode significar uma falência adaptativa às circunstâncias vivenciais, atitude perfeitamente compatível com a dinâmica da depressão.



Ballone GJ, Moura EC - Alucinação e Delírio - in. PsiqWeb, Internet - disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008

Afetividade

A afetividade é a função psíquica responsável pela qualidade da vida emocional.


O transtorno afetivo mais típico é a Depressão com todo seu quadro clínico conhecido mas, apesar disso, talvez não seja o problema afetivo mais freqüente. Os quadros ansiosos, do tipo Pânico, Fobias, Somatizações ou a mesma Ansiedade Generalizada são os problemas afetivos mais freqüentes, pois, também esses estados têm como base psíquica as alterações da Afetividade.
Para entender a Afetividade é necessário compreendermos também alguns elementos do mundo psíquico: as Representações, as Vivências, as Reações Vivenciais e os Sentimentos.
Durante toda nossa vida, os fatos ou acontecimentos vividos por nós serão nossas experiências de vida e passarão a fazer parte de nossa consciência. Dos fatos e acontecimentos teremos lembranças e sentimentos, assim como também teremos lembranças desses sentimentos, portanto, lembraremos não apenas nossas experiências de vida mas, também, lembraremos se elas foram agradáveis ou não, prazerosas ou não...
Embora diferentes pessoas possam viver mesmos fatos e acontecimentos, cada uma delas sentirá tais fatos e acontecimentos de maneira diferente e pessoal. Perder um mesmo objeto, sofrer a perda de um mesmo familiar, passar por um mesmo assalto, ouvir uma mesma música, comer uma mesma comida, etc., poderão causar diferentes sentimentos em diferentes pessoas. (veja A Representação da Realidade na seção Psicopatologia)
É a Afetividade quem dá valor e representa nossa realidade. Essa Afetividade também é capaz de representar um ambiente cheio de gente como se fosse ameaçador, é capaz de nos fazer imaginar que pode existir uma cobra dentro do quarto ou ainda, é capaz de produzir pânico ao nos fazer imaginar que podemos morrer de repente.
A Afetividade valoriza tudo em nossa vida, tudo aquilo que está fora de nós, como os fatos e acontecimentos, bem como aquilo que está dentro de nós (causas subjetivas), como nossos medos, nossos conflitos, nossos anseios, etc. A Afetividade valoriza também os fatos e acontecimentos de nosso passado e nossas perspectivas futuras.
Vendo uma antiga fotografia de algum ente querido já falecido, algumas pessoas experimentam sentimentos tenros, suaves, saudosos e até agradáveis, outras, por sua vez, podem experimentar sentimentos de angústia, tristeza, sensação de perda, pesar, enfim, sentimentos desagradáveis. O que, realmente, dentro das pessoas faz com que essa foto seja valorizada (Representada) dessa ou daquela maneira? Trata-se da Afetividade.
O melhor exemplo que podemos referir para entender a Afetividade é compará-la à óculos através dos quais vemos o mundo. São esses hipotéticos óculos que nos fazem enxergar nossa realidade desse ou daquele jeito. Se esses óculos não estiverem certos podemos enxergar as coisas maiores ou menores do que são, mais coloridas ou mais cinzentas, mais distorcidas ou fora de foco. Tratar da Afetividade significa regular os óculos através dos quais vemos nosso mundo.
Porque uma pessoa portadora de Síndrome do Pânico pensa que pode morrer ou passar mal de repente? Porque ela acha que sofre do coração, ou está prestes a ter algum derrame, ou que está tão descontrolada ao ponto de perder o controle. Ora, nada disso faz parte da realidade objetiva e concreta. Trata-se de um juízo pessimista, uma avaliação negativa que a pessoa faz de si mesma, ou seja, trata-se de uma Afetividade que representa negativamente para a própria pessoa o seu próprio eu. Se a pessoa está se vendo pior do que é de fato, então afetivamente não está bem.
A Depressão Típica, por sua vez, também faz com que a pessoa se sinta e se ache pior do que realmente é. Isso produz insegurança e rebaixa a auto-estima. Novamente aqui a Afetividade representa negativamente a pessoa para si mesma. A avaliação negativa de si mesmo, achar que a vida não vale a pena, que a realidade é sofrível, sentir medo exagerado, achar-se doente e toda sorte de pensamentos ruins resultam do Afeto alterado.
Resumindo essa questão da Afetividade vejamos um exemplo ilustrativo. Vamos nos imaginar em meio à uma briga de rua. Nosso medo (ou ansiedade) será diretamente proporcional ao tamanho de nosso adversário; quanto maior nosso adversário maior o medo. E como avaliamos o tamanho de nosso adversário? Seu tamanho será avaliado sempre em comparação ao nosso próprio tamanho, pois, nosso único parâmetro de comparação sera sempre nós mesmos.
Não importa nosso adversário ser maior ou menor que uma outra pessoa qualquer, importa apenas ser maior ou menor que nós. E como sabemos exatamente nosso próprio tamanho? Quem diz se somos grandes ou pequenos, fortes ou fracos, espertos ou não, superiores ou não ao adversário será nossa Afetividade, esse apetrecho psíquico que dá valor à tudo em nossa vida e, principalmente, nos dá o valor de nós mesmos.
Se uma Afetividade alterada fizer pensar em nós mesmos como pequenos, fracos, pouco espertos e piores, então teremos medo em lutar até com uma criança. Nos amedrontaremos e sentiremos muita ansiedade diante de tudo na vida; diante das multidões, dos ambientes fechados, de viajarmos sozinhos, da solidão, da idéia de estarmos doentes, e assim por diante.
Sentimentos Não NormaisA Ansiedade exagerada, a Síndrome do Pânico, as Fobias, a Depressão ou a Angústia patológica são exemplos de sentimentos não-normais. A falta de causa objetiva, de proporção ou de relação no tempo entre as Reações Vivenciais e suas Vivências causadoras proporcionam esses sentimentos não-normais.
É claro que existem causas para Pânico, Fobia, Depressão ou Angústia, entretanto, não são causas objetivas e concretas mas sim, causas subjetivas, ou seja, causas que existem particularmente na intimidade de cada um e não no mundo concreto dos fatos e acontecimentos. Essas causas subjetivas serão o objeto de maior interesse aqui.
Vamos imaginar um caso de Fobia Social, onde a pessoa se sente mal (ansiedade excessiva) quando se encontra diante de muitas pessoas, em ambientes cheios de gente, etc. Para esse paciente as outras pessoas representam uma ameaça, tal como também representa uma ameaça a cobra do outro exemplo. Neste caso, entretanto, ambientes cheios de gente simplesmente não representam uma ameaça concreta e objetiva para a maioria das pessoas mas sim, uma ameaça imaginária para a pessoa com Fobia Social. Neste caso podemos dizer que pessoas e ambientes cheios representam uma causa subjetiva de ameaça para os pacientes portadores de Fobia Social. O mal estar causado por essa causa subjetiva e imaginária, caracterizado por extrema ansiedade, sensação de vir a desmaiar, sufocamento, falta de ar, mão frias, sudorese, etc., será uma Reação Vivencial não-normal.
A mesma coisa podemos dizer da Síndrome do Pânico, onde a pessoa reage emocionalmente como se, de repente, fosse morrer, passar mal, perder o controle ou acontecer algo ruim. Essas pessoas são levadas à Pronto Socorros e nada que possa estar ameaçando suas vidas é constatado. Não se constata nada de objetivo e concreto. Assim sendo, os fatos e acontecimentos para tal medo, ou seja, achar que sofrem do coração, que estão prestes a ter algum derrame, etc., só existe na imaginação, portanto, novamente uma causa subjetiva, ou seja, uma Reação Vivencial não-normal
Nos quadros de Depressão típica o paciente se sente triste e angustiado, julga-se pior do que é, acha que a vida não tem sentido, pensa que nada vale a pena e coisas assim. Todas essas idéias são julgamentos que existem só em sua maneira de pensar, portanto, são causas subjetivas que não correspondem aos fatos concretos e objetivos. Trata-se também de uma Reação Vivencial Não-normal.
Resumindo, os sentimentos não serão normais sempre que forem determinados por causas íntimas, pessoais, imaginárias ou que não correspondem à realidade concreta e objetiva. Essas causas subjetivas vêm de dentro da pessoa, de sua intimidade emocional e, muitas vezes, inexplicavelmente.
Conflitos ÍntimosSaber sobre os Conflitos Íntimos é importante para o entendimento dos sentimentos decorrentes de causas subjetivas, ou seja, da Ansiedade, Angústia, Depressão, Pânico, Fobias que aparecem sem uma causa objetiva e concreta aparente.
O ser humano sempre viveu diante do dilema entre aquilo que ele quer realmente fazer, aquilo que ele deve fazer e aquilo que ele consegue fazer. Portanto, nem sempre estamos fazendo aquilo que queremos, muitas vezes não queremos fazer aquilo que devemos, outras vezes queremos e devemos fazer aquilo que não conseguimos. Enfim, estamos constantemente diante desse conflito.
Essa situação não diz respeito apenas às questões de nossa vida prática, diz respeito também aos nossos sentimentos. Se devemos gostar ou não de determinada pessoa, gostar ou não de determinada atitude nem sempre obedece ao fato de querermos gostar ou não. Às vezes odiamos ou gostamos mesmo não querendo, outras vezes mesmo não devendo, outras vezes ainda, mesmo devendo e querendo não conseguimos.
Ora, uma pessoa que não consegue gostar de sua mãe mesmo sabendo que deveria gostar (afinal, deve-se amar as mães pelo simples fato de serem nossas mães), ou sua irmã, ou seu pai, estará experimentando um conflito. Quem vive o drama de querer namorar uma pessoa embora devesse ficar com outra, também vive em conflito. Quem queria ser ator embora deva continuar sendo advogado, idem. Ou queria ter um filho homem e só consegue gerar mulheres, queria e devia ser respeitada pelo marido mas não está conseguindo, devia trabalhar mais mas não quer, ou quer ficar em casa mas deve sair para trabalhar e assim por diante...
Como vimos, todos nós estamos sujeitos ao Conflito, pois, nem sempre estamos plenamente felizes com nossa situação atual. Na verdade, é quase impossível uma pessoa consciente viver sem nenhum Conflito.
Na saúde emocional conseguimos conviver bem com nossos Conflitos, conseguimos viver bem apesar de nossos Conflitos. Entretanto, estando a Afetividade comprometida, podemos sucumbir à esses Conflitos. Na Depressão, por exemplo, um Conflito com o qual convivemos pacificamente por muitos anos passa a ser insuportável.
Algumas vezes não temos consciência plena do Conflito, eles podem ser inconscientes. Isso geralmente acontece em pessoas muito ativas e que nunca se detém para refletir sobre suas vidas, pessoas que suportam tudo porque se acreditam fortes, pessoas que consideram as emoções uma coisinha trivial. Mesmo essas pessoas se esgotam. A Afetividade abalada ou esgotada poderá fazer com que os Conflitos inconscientes sejam capazes de causar uma ansiedade tão grande ao ponto de produzirem uma Síndrome do Pânico, ou Fobia, etc.
Outras vezes a Afetividade depressiva ou esgotada mexe e remexe no baú de nosso psiquismo. Fatos, Vivências, Conflitos e traumas praticamente esquecidos voltam à tona, incomodam e torturam. É como se uma cicatriz que possuímos há anos e para a qual não dávamos tanta importância, passasse a nos incomodar muito, fazendo nos sentir feios, discriminados e magoados por causa dela.
Os Conflitos Íntimos, juntamente com as frustrações presentes e passadas, os traumas presentes e passados e os complexos compõem aquilo que chamamos de causas subjetivas para as Reações Vivenciais Não-Normais. Serão sempre não-normais pelo fato de se originarem sem uma causa concreta e objetiva detectável. E as causas subjetivas causarão tanto mais incômodos e tanto mais Reações Vivenciais Não-Normais quanto mais alterada estiver nossa Afetividade. Portanto, a correção da Afetividade alterada será o primeiro e mais importante passo para o tratamento de todos esses quadros emocionais.
Lidando com a Afetividade Alterada
Os transtornos emocionais afetivos podem existir de duas maneiras:
a) a pessoa está afetivamente abalada ou;
b) ela é afetivamente problemática. É a mesma colocação que se pode fazer entre estar com alergia e ser alérgico.
Pessoas que estão afetivamente abaladas normalmente são aquelas cuja personalidade original não tem traços naturais de sensibilidade afetiva exagerada mas que, por razões momentâneas e circunstanciais, acabam tendo problemas afetivos. Entre essas razões circunstanciais e momentâneas as mais comuns, hoje em dia, são o stress continuado, as perdas e decepções, as exigências de adaptação do cotidiano entre outras.
Esse tipo de transtorno afetivo surge em algum momento na vida de uma pessoa afetivamente normal, e pode ser entendido como uma espécie de esgotamento decorrente da sobrecarga de Vivências tensas e traumáticas.
O segundo tipo, aquele que é afetivamente problemático, existe em pessoas com traços de personalidade de sensibilidade afetiva é exagerada. Para essas pessoas a vida normalmente é sentida com mais emoções e as Vivências tendem a ser experimentadas com maior sentimento. São pessoas ansiosas por natureza, naturalmente sentimentais, pessoas que se magoam com facilidade, sofrem por excesso de responsabilidade. Normalmente são pessoas mais retraídas, pouco extrovertidas e que não deixam transparecer suas emoções.
A diferença entre ser e estar com problemas afetivos será de fundamental importância para o tratamento. Se o caso é ser afetivamente problemático o tratamento tende a ser mais duradouro e, em alguns casos, até definitivo. É a mesma coisa que ser hipertenso, ser diabético, ser asmático, ser reumático, enfim, são casos que caracterizam uma maneira de ser e não de estar. Os preconceitos acerca de um tratamento mais prolongado para esses problemas afetivos são por conta de nossa cultura, pois, o tratamento prolongado para as outras doenças supra-citadas não despertam a mesma ojeriza que os tratamentos psiquiátricos, embora seja praticamente a mesma coisa.
Por outro lado, no caso da pessoa estar passando por uma fase de problemas afetivos decorrentes de circunstâncias momentâneas o tratamento será igualmente momentâneo, ou seja, durante um prazo de tempo suficiente para que a pessoa restabeleça sua harmonia afetiva.
Bases do tratamento
Aqui, como em tantos outros casos da psiquiatria, os medicamentos podem ser indispensáveis e insuficientes. Diz-se que são indispensáveis porque sem eles o tratamento pode ser impossível e insuficientes, porque só com eles também pode ser impossível. A associação entre medicamentos e psicoterapia pode ser o mais indicado, tanto para os casos que são problemáticos quanto para aqueles que estão com problemas.
A alteração da afetividade implicada nos problemas emocionais aqui referidos, como o Pânico, a Fobia, a Ansiedade e a própria Depressão, é o rebaixamento afetivo . Voltando ao exemplo que comparamos a Afetividade aos óculos através dos quais vemos nossa realidade, corrigir esses óculos é o objetivo do tratamento da Afetividade.
Os antidepressivos são os medicamentos melhor indicados para o tratamento do rebaixamento afetivo. Indica-se antidepressivos com o mesmo objetivo que a medicina indica os antidiabéticos, os antihipertensivos, os antireumáticos ou antiasmáticos para suas respectivas doenças.
Além dos antidepressivos, em alguns casos pode-se associar também os ansiolíticos, medicamentos destinados ao alívio dos sintomas da ansiedade. Esses ansiolíticos atuam mais nos sintomas (ansiedade) que na causa básica do problema que é a Afetividade mas, mesmo assim, nos casos onde os sintomas ansiosos são muito importantes eles estão indicados durante algum tempo.
O tempo de uso dos antidepressivos dependerá, como já dissemos, do caso ser de alguém que está ou de alguém que é afetivamente problemático. Dependerá também da resposta do paciente ao tratamento.
A psicoterapia associada ao tratamento com medicamentos é de fundamental importância. A terapia chamada cognitiva tem sido uma das mais eficientes nesses casos. Este tipo de terapia busca uma auxílio de elementos racionais junto aos tropeços emocionais. Procura corrigir certos esquemas de pensamento deturpados pelas emoções.

para referir:
Ballone GJ - Afetividade - in. PsiqWeb, Internet - disponível em http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2007

Alterações do Pensamento

O raciocínio é uma cadeia de representações, conceitos e juízos, com início na experiência sensorial.


Trata-se, o pensamento, de uma operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos na da vida social e cultural, combiná-los logicamente e alcançar uma outra nova forma de conhecimento. Todo esse processo começa com a sensação e termina com o raciocínio dialético, onde uma idéia se associa a outra e, desta união de idéias nasce um a terceira.
Quando percebemos uma rosa branca concebemos, ao mesmo tempo, as noções de rosa e brancura, daí, conceberemos uma terceira idéia que combina as duas primeiras. Evidentemente, para concebermos as duas primeiras idéias há a necessidade de que, anteriormente, tenhamos de experimentar a rosa e também o branco para, numa próxima operação concebermos a rosa branca.
Não há, desta forma, necessidade de termos experimentado uma rosa já branca, assim como, por exemplo, somos capazes de conceber uma rosa completamente verde, sem que, sequer, a tenhamos visto.
O raciocínio humano é uma cadeia infinita de representações, conceitos e juízos, sendo a fonte inicial de todo esse processo a experiência sensorial. Nosso conhecimento se dá através das representações sensoperceptivas do mundo e delas, elaboramos nossos conceitos, vistos anteriormente. O pensamento lógico consiste em selecionar e orientar esses conceitos, tendo como objetivo alcançar uma integração significativa, que possibilite uma atitude racional ante as necessidades do momento.
Pensamento e JuízoChama-se juízo o processo que conduz ao estabelecimento dessas relações significativas entre conceitos e, julgar é, nesse caso, estabelecer uma relação entre conceitos. A função que relaciona os juízos, uns com os outros, recebe a denominação de raciocínio. Em seu sentido lógico, o raciocínio não é nem verdadeiro nem falso, ele será sim, correto ou incorreto. Portanto, o raciocínio para ser correto deve ser lógico e, em Psicologia, o termo raciocínio tem o mesmo sentido de pensamento.
Por outro lado, devemos completar a idéia de que o pensamento não se resume em associações esparsas e aleatórias, como se combinássemos peças para formação de um mosaico. Devemos acrescentar à teoria associativa um algo mais que confere ao pensamento uma característica formal, ou seja, uma capacidade em conseguir dar FORMA às idéias e que, estas, não são apenas a soma de suas partes, mas sim, uma configuração independente. Isso pode ser exemplificado pela observação de que uma melodia não se constitui apenas na somatória de suas notas: trata-se de uma coisa nova, com uma forma independente e original.
Idéias Supervalorizadas Há situações onde ocorre uma predominância dos afetos sobre a reflexão consciente, com subseqüente alteração do juízo da realidade e com repercussões secundárias no comportamento social do indivíduo. As Idéias Supervalorizadas são conhecidas também como Idéias Prevalentes ou Idéias Superestimadas. É quando o pensamento se centraliza obsessivamente num tópico especialmente definido e carregado de uma enorme carga afetiva.
A imagem literária através da qual se estigmatiza o possuidor das Idéias Supervalorizadas é a do indivíduo fanatizado, cuja convicção acerca de sua Idéia Superestimada desafia toda argumentação em sentido contrário, inclusive a contra-argumentação embasada em elementos lógicos e razoáveis.
Tendo em vista a grande força sentimental propulsora da convicção prevalente, tal pensamento passa a ser dirigido exclusivamente pela emoção, comumente por uma emoção doentia e com total descaso para com a lógica ou para com a razão. A necessidade íntima convocada por este psiquismo problemático pode encontrar algum conforto na adoção de uma crença; seja ela política, religiosa, filosófica ou artística, de tal forma que o indivíduo se encontra cego para todas as evidências que não compactuem com sua idéia prevalente.
Tudo aquilo que possa comprometer ou ameaçar o valor e o significado atribuído à Idéia Supervalorizada é recusado pela consciência e, quanto mais a realidade dos fatos sugerir conclusões contrárias à tais pensamentos, mais claramente perceberemos a sua não-normalidade.
1. - FORMA DO PENSAMENTOHavendo saúde mental os estímulos para que o raciocínio se desenvolva devem provir de fontes externas e internas. Mas o pensamento não é guiado apenas por considerações estritamente atreladas à realidade, ele também flui motivado por estímulos interiores, abstratos e afetivos ou até instintivos. A criação humana, por exemplo, ultrapassa muitas vezes a realidade dos fatos, refletindo estados interiores variados e de enorme valor para a construção de nosso patrimônio cultural.
Voltar-se para o mundo interno significa que o pensamento se manifesta sob a forma de Devaneios - uma espécie de servidão das idéias às nossas necessidades mais íntimas, aos nossos afetos e paixões. Enquanto há saúde mental, entretanto, nossos devaneios são sempre voluntários e reversíveis; eles devem ser nossos servos e não nossos senhores.
Em estados mais doentios, esses devaneios ou fugas da realidade são emancipados da vontade, são impostas ao indivíduo de forma absoluta e tirânica. Parece tratar-se de um indivíduo que despreza a realidade e vive uma realidade nova que lhe foi imposta involuntariamente, da qual não consegue libertar-se.
A própria concepção da realidade pode sofrer alterações nos transtornos psíquicos. Em determinados estados neuropsicológicos a realidade pode sofrer alterações de natureza bioquímica, funcional ou anatômica. Em outros estados, agora de natureza psicopatológica, os elementos da realidade também podem ser deturpados por fatores afetivos, emocionais ou psíquicos, de forma a prevalecer uma concepção do mundo determinada exclusivamente pelo interior de ser e não mais pela lógica comum à todos nós.
Ao pensamento que se afasta da realidade morbidamente, ou seja, doentiamente, damos o nome de Pensamento Derreísta ou Pensamento Autista. Falamos “se afasta morbidamente da realidade” porque esse tipo de pensamento não mais depende do arbítrio que todos temos em fantasiar e voltar à realidade voluntariamente. Ele devaneia obrigatoriamente, sendo negado ao paciente a faculdade de entendimento dos limites de nossas fantasias, quando nos imaginamos ganhadores da loteria ou coisas assim, e da realidade, com a consciência plena de nossa situação. Visto assim, normal seria a dupla capacidade do pensamento, tanto para lidar com a fantasia, quanto para lidar com o concreto, de maneira livre e autônoma. O ser humano normal deve ter autonomia e capacidade de passar voluntariamente de uma forma à outra e, principalmente, deve saber claramente onde começa um tipo de pensamento e termina o outro.
Para aqueles que acreditam ser normal e até desejável que a pessoa tenha seus pensamentos exclusivamente atrelados ao concreto e ao real, lembramos que essa limitação imposta ao pensamento, fazendo-o incapaz de afastar-se do absolutamente concreto, leva o nome de Concretismo, que também é uma alteração da forma do pensamento.
Pensamento DerreístaO Pensamento Derreista é aquele que se desvia da razão, faltando-lhe tenacidade para se atrelar à realidade. Sua característica principal e criar, a partir de antigas cognições e novas representações, um mundo novo e de acordo com os desejos, anseios e angústias.
Bleuler deixou explícito que nos casos de esquizofrenia o pensar se encontra profundamente alterado. O voltar-se para o mundo interno contribui para que o pensamento se manifeste sob a forma de devaneio, quando a pessoa pode deixar suas fantasias em total liberdade, de rédeas soltas. Em tais circunstâncias, o pensar não obedece às leis da lógica e, nos casos mais acentuados, tudo transcorre como se o indivíduo estivesse submerso num verdadeiro estado onírico. Para Bleuler, o Pensamento Derreísta obedece às suas próprias leis e utiliza as relações lógicas habituais apenas na medida em que são convenientes mas, de qualquer forma, ele não se acha ligado de nenhuma maneira a essas leis lógicas. O Pensamento Derreísta está dirigido pelas necessidades íntimas do paciente, o qual pensa mediante símbolos, analogias, conceitos fragmentários e vinculações acidentais.
Ao contrário do Pensamento Derreísta temos o Pensamenso Realista. A clínica nos mostra claramente que essas duas formas de pensar podem coexistir justapostas num mesmo paciente. Ao lado das marcantes alterações derreísticas, realisticamente os pacientes podem se orientar perfeitamente bem no tempo e no espaço, podem ter suas ações perfeitamente adequadas e se adaptam à alguma parte de sua realidade pragmática, podendo nos parecer normais em muitas circunstâncias.
Pensamento RealistaO Pensamento Realista é aquele que consegue compatibilizar com naturalidade, ou seja, fisiologicamente, tanto a parte formal do raciocínio, quanto a parte mágica natural à todo ser humano, ou seja, tanto o raciocínio orientado pela lógica, quanto os devaneios espiritualizados e sublimes do ser humano. Essa harmonia entre a lógica e o mágico, desejável no ser humano normal, recomenda o ditado de que "não importa se a aventura é louca, desde que o aventureiro seja lúcido".
No território do pensamento mágico abrigamos todas nossas crenças, nossas paixões, nossas superstições, enfim, nosso mundo da fantasia e da magia. No território do pensamento formal e lógico, habitam os conceitos, as suposições, as deduções, as induções, as idéias racionalizadas e, principalmente, a noção exata para valorizarmos adequadamente nosso próprio lado mágico. Veja ao lado o Concretismo, que é um exagero do Pensamento Realista.
2. - CURSO DO PENSAMENTOInibição do PensamentoPelo curso do pensamento podemos ver, inicialmente, seu ritmo. Quanto à isto, o pensamento pode manifestar-se normal, rápido ou lento. Em seu ritmo lento temos a Inibição do Pensamento. A inibição do pensamento é um sintoma que se manifesta por lentidão de todos os processos psíquicos. Nos enfermos em que existe inibição do pensamento, observa-se também grande dificuldade na percepção dos estímulos sensoriais, limitação do número de representações e lentidão no processo e evocação das lembranças.
Os pacientes com inibição do pensamento mantêm-se apáticos, não falam espontaneamente nem respondem às perguntas com vivacidade, respondem lentamente ou com dificuldade. A perturbação é também qualitativa ou seja, atinge a essência do pensamento e se acompanha, geralmente, de um sentimento subjetivo de incapacidade. Junto com inibição do pensamento pode haver ainda sentimento de pouco interesse, de imprecisão a respeito das opiniões, dificuldades para a escrita e lentidão para andar. Esses pacientes revelam dificuldade de compreensão, de iniciar uma conversação, de escolher palavras, enfim, eles pensam com grande esforço.
Fuga de IdéiasA Fuga de Idéias é uma alteração da expressão do pensamento caracterizada por uma variação incessante do tema e uma dificuldade importante para se chegar a uma conclusão . A progressão do pensamento encontra-se seriamente comprometida por uma aceleração associativa, a tal ponto que, a idéia em curso é sempre perturbada por uma nova idéia que se forma. Segundo Bleuler, na Fuga de Idéias os doentes geralmente são desviados da representação do objetivo através de quaisquer idéias secundárias. Assim, no pensamento com Fuga de Idéias, o que há não é uma carência de objetivos mas uma mudança constante do objetivo devido a extraordinária velocidade no fluxo das idéias.
A sucessão de novas idéias, sem que haja conclusão da primeira, torna o discurso pouco ou nada inteligível. Há, pois, passagem de um assunto para outro sem que o primeiro tenha chegado ao fim: "eu não gosto de batatas, mas acho que em São Paulo o clima é melhor. Porque o senhor não compra um carro novo?"
Normalmente costumamos observar 4 características na Fuga de Idéias:
1. Desordem e falta aparente de finalidade das operações intelectuais: mesmo quando há certa relação entre os conceitos, o conjunto carece de sentido e de significado;
2. Predomínio de associações disparatados;
3. Distraibilidade. Facilidade de se desviar do curso do pensamento sob a influência dos estímulos exteriores;
4. Freqüente aceleração do ritmo da expressão verbal.
O paciente com fuga de idéias é incapaz de concentrar sua atenção, dispersando-se numa multiplicidade de estímulos sensoriais sem se aprofundar em nada. A Fuga de Idéias normalmente está associada a aceleração do psiquismo, ou Taquipsiquismo: um estado afetivo comumente encontrado na hipomania ou mania, ou seja, na euforia. Seria como se a eloqüência na produção de idéias superasse a capacidade de verbalizá-las. Diz-se Logorréia ou Verborragia para o fenômeno de produção aumentada de palavras, o qual, pode ser ou não acompanhada de Fuga de Idéias.
Na prática psiquiátrica o observador pode ter a falsa impressão de que o paciente verborrágico (com ou sem Fuga de Idéias) tem uma crítica aumentada e arguta. Entretanto, ainda que seja capaz de observações perspicazes e ferinas, isso se deve à perda da inibição social que normalmente acompanha os estados maníacos e, de fato, o que se vê é mais uma atitude de inconveniência do que um juízo crítico apurado. O homem sadio não diz muitas coisas que poderiam ser ditas porque, em certas ocasiões e circunstâncias alguns comentários não são recomendados pela ética. Tais considerações não existem nos pacientes eufóricos.
Bloqueio ou Interceptação do PensamentoNesses casos há uma interrupção brusca da idéia em curso e o fluxo do pensamento fica bloqueado, cessando repentinamente. É como se, durante uma exposição discursiva, um raio caísse bem próximo da pessoa que fala e, pelo susto, interrompesse imediatamente a exposição. Depois do susto normalmente existe a pergunta: " o que estava mesmo dizendo?" e, em seguida, pode retomar a idéia inicial. Isso é um bloqueio ou interceptação do pensamento.
Normalmente o bloqueio sugere uma espécie de força interior que supera a intenção de concluir o tema por alguns instantes; trata-se de uma motivação interna bloqueadora do curso do pensamento. Podemos encontrar bloqueios relacionados a fortes emoções mesmo na vida psíquica normal. Nos estados patológicos as forças interiores (complexos, delírios, paixões) produzem boas razões para os bloqueios. Nesses casos, havendo uma interrupção da idéia em curso haverá, conseqüentemente, uma interrupção do discurso.
Na esquizofrenia observa-se com freqüência o aparecimento inesperado de interceptação das idéias. O doente começa a expor um assunto qualquer e, subitamente, se detém. As vezes, depois de alguns instantes, volta a completar o pensamento interrompido, outras vezes, inicia um ciclo de pensamento completamente diferente.
PerseveraçãoÉ a repetição continuada e anormalmente persistente na exposição de uma idéia. Existe uma aderência persistente de um determinado pensamento numa espécie de ruminação mental, como se faltasse ao paciente a formação de novas representações na consciência. Percebemos que há uma grande dificuldade em desenvolver um raciocínio, seja por simples falta de palavras, por escassez de idéias ou dificuldade de coordenação mental. Por definição a Perseveração do Pensamento é a repetição automática e freqüente de representações, predominantemente verbais e motoras, que são evocadas como material supérfluo nos casos em que existe um déficit na evocação de novos elementos ideológicos.
A Perseveração está incluída nos distúrbios do curso do pensamento por sugerir que a temática em pauta se encontra limitada a um curso circular, que não tem fim e repete-se seguidamente. Havia um paciente epiléptico que dizia: "... então a minha mãe corria atrás da gente com uma faca, aí eu ia buscar a Genizinha que sabia benzer ela, então chegava e benzia e minha mãe corria atrás da gente com uma faca, aí eu ia buscar a Genizinha que sabia benzer ela, então chegava e benzia minha mãe que corria atrás da gente..."
Observamos Perseveração do Pensamento em alguns casos de agudização psicótica, nos quais há significativa desestruturação da consciência e um determinado estímulo interno passa a se assenhorear de toda personalidade naquele momento. Também observamos em determinados Estados Crepusculares, onde, patologicamente há um significativo estreitamento da consciência.
Circunstancialidade ou ProlixidadeAqui, o paciente revela uma incapacidade irritante para selecionar as representações essenciais daquelas acessórias, ou seja, o pensamento foge da pauta principal e perde-se no detalhamento trivial. Aparece um grande rodeio em torno do tema central, uma riqueza aborrecedora de detalhes e circunstâncias sem propósitos práticos e pormenores desnecessários, tornando o discurso bem pouco agradável. À esta situação chamamos de Viscosidade ou discurso Viscoso ou, quando esta é uma das características constante da pessoa, pode-se chamá-la de pessoa Viscosa. Um exemplo contundente de viscosidade é a conversa ou a atitude de alguns bêbados, muito inconvenientes e dos quais não é fácil se livrar.
Na Circunstancialidade aparece, como é natural, um certo grau de ansiedade por parte do interlocutor, provocada pela morosidade na conclusão da idéia. Um paciente, perguntado se tinha ido fazer uma tomografia, cuja resposta deveria ser algo como sim ou não, dizia: "... bem, tive que ir terça feira passada porque o movimento do escritório às terças é menor; na segunda feira é que tem mais serviço, porque o pessoal deixa tudo para ser resolvido às segundas. Até que foi bom eu ter deixado para a terça, porque, lá no serviço do tomógrafo, eles também devem ter mais movimento de segunda, que por sinal é um dia terrível. Acho que (brincando) a semana deveria começar pela terça".
A Prolixidade produz um curso do pensamento muito tortuoso e o tema central fica seriamente prejudicado pelas divagações inúteis e pelos comentários paralelos. Em seu diálogo o paciente viscoso tem sempre algo a acrescentar e de tal forma que o fim da conversa fica desagradavelmente comprometido. No consultório ele é capaz de levantar-se muitas vezes antes de ir embora e sentar novamente para acrescentar mais alguma coisa, absolutamente sem importância.
IncoerênciaNa Incoerência há uma grande desorganização na estrutura sintática com períodos em branco e frases soltas no meio da exposição de uma idéia. Freqüentemente a Incoerência está associada a transtornos que comprometem o estado da consciência. É como se faltasse ao paciente condições homeostáticas para a organização das idéias e para sua capacidade de comunicação verbal. O Estado Crepuscular é um bom exemplo de Distúrbio da Consciência, onde a capacidade de organização do pensamento encontra-se seriamente comprometido. Também na Turvação da Consciência pode haver Incoerência.
O pensamento incoerente é confuso, contraditório e ilógico. Enquanto na Fuga de Idéias percebemos a passagem repentina de uma idéia para outra, na Incoerência o que interrompe o curso do pensamento são fragmentos soltos de idéias aleatórias; como se o pensamento estivesse pulverizado.
3. - CONTEÚDO DO PENSAMENTOAlém dos Distúrbios da Forma e dos Distúrbios do Curso do Pensamento, elementos valiosíssimos na propedêutica psíquica, devemos verificar também os Distúrbios do Conteúdo do Pensamento. Este conjunto sintomático completará esta grande área do psiquismo a ser pesquisada, o Pensamento. Para a elaboração do diagnóstico psiquiátrico será necessário, além do Pensamento, também a verificação de duas outras grandes áreas; a Afetividade e o Comportamento.
O exame do Conteúdo do Pensamento mostra-nos a essência do ser, o elemento mais refinado e sublime da pessoa e aquilo que ela tem de mais íntimo dentro de si. A dificílima tarefa de avaliação do conteúdo do pensamento remete-nos a um dos campos mais polêmicos da argüição do ser humano: a valoração de suas idéias.
Entre o examinador e o examinado vibram as mais variadas tendências culturais, as mais diversas inclinações filosóficas, todas as sutilezas da ética, da moral e da religião, deparam-se ainda, a tonalidade afetiva e a natureza dos sentimentos pessoais de cada um. Portanto, julgar idéias é sinônimo de julgar pessoas, uma atitude tão incrível quanto julgar a arte, tão espinhosa quanto definir a beleza. O bizarro e o majestoso saltam logo aos olhos, mas entre um e outro há uma infindável variação de nuances entre o sadio e o patológico.
Examinando o Conteúdo do Pensamento estaremos tocando o cerne da personalidade, o miolo do ser psíquico e o resultado final em que o indivíduo se encontra neste dado momento. O Conteúdo do Pensamento comporta todo perfil dos conceitos, dos juízos, da atividade intelectiva e da afetividade de cada um.
A psicologia evolutiva aponta para a prevalência do Pensamento Mágico no homem primitivo, tal como uma espécie de pensamento pré-lógico, onde as fronteiras entre o real e o irreal são demasiadamente imprecisas. Tal Pensamento Mágico está ainda bastante presente nas crianças e em adultos carentes de um socorro imediato às suas angústias e impotências. Está bem sabido, conforme Nobre de Melo observa, que esta não é a maneira habitual de pensar e de proceder do homem adulto e civilizado de nosso tempo. Este ser civilizado deve pautar sua conduta pelos princípios que regem o Pensamento Lógico ou Pensamento Reflexivo.
Há, entretanto, na mentalidade deste homem civilizado, um grande número de reminiscências residuais primitivas e mágicas que vivem se reativando em circunstâncias especiais, tais como na ansiedade, na paixão, na incerteza, no sofrimento inconsolável, no perigo iminente e na desrazão . É assim que o ser humano moderno, motivado por sua angústia, insegurança e sofrimento, será capaz de apelar ao sobrenatural e à fantasia. É desta forma, subestimando a lógica e a razão absoluta, que nosso pensamento acabará tocando o irracional e a magia através de práticas individuais e íntimas variadas.
Assim sendo, constatamos, num sem-número de sistemas culturais e numa infinidade de pessoas, a utilização de todo um vasto arsenal de recursos mágicos para aplacar a angústia e o desespero. Aceitando esta convivência paralela e harmônica do mágico e do lógico na consciência do homem normal, podemos entender melhor o astronauta que não dispensa seu pé-de-coelho, ou o cientista que carrega uma pirâmide de cristal, o criminoso que porta um crucifixo, o aluno que só entra em provas sempre com o mesmo lápis, o jogador que veste a mesma cueca por ocasião de uma partida importante e assim por diante. O Pensamento Mágico e primitivo revive sempre nas crianças, esporadicamente nos adultos normais e predomina nos estados mórbidos ou de grande sofrimento emocional.
É desta forma que surpreendemos o irreal e ilógico no conteúdo e nas elucubrações do pensamento supervalorizado, delirante, obsessivo ou fóbico. Tais atitudes mentais são consideradas como uma espécie de regressão da personalidade, onde vemos surgir toda a simbólica ancestral dos estágios mais remotos da evolução psicológica da espécie humana. São mecanismos de defesa mantidos em estado de latência mas susceptíveis de reascenderem todas as vezes em que se proceder uma ruptura no equilíbrio funcional da personalidade.
O Juízo e a Lógica, por outro lado, são duas operações intelectuais exercidas pelo pensamento reflexivo ou lógico. Porém, não obstante, nossos juízos estão sempre impregnados pela afetividade e pela vontade, de tal forma que todo julgamento é predominantemente subjetivo. Conforme Nobre de Melo, pode-se dizer que um juízo crítico, por mais fundamentado que possa ser, revela, às vezes, muito mais a natureza da pessoa que julga do que a qualidade da coisa julgada. Desta forma a própria razão, objeto do raciocínio lógico, também deve passar pela individualidade afetiva e, portanto, terá sempre uma racionalidade relativa por excelência.
Não será demais enfatizar que, em se tratando de conteúdo do pensamento, devemos levar em consideração todas as querelas sócio-culturais que permeiam a existência da pessoa considerada. A valorização do pensamento como um todo deverá, obrigatoriamente, relevar todas as circunstâncias atreladas ao panorama vivencial. Não fosse assim, com toda a certeza um dinamarquês consideraria um fenômeno francamente psicótico um pai de santo da Bahia. Da mesma forma, seria possível, à um observador menos avisado, classificar os japoneses kamikazes dentro das depressões suicidas.
Assim, o pensamento flui em função das associações e da forma. Representa um modo de ligação entre conceitos, uma seqüência de juízos e o encadeamento lógico de conhecimentos, de maneira dinâmica e contínua. Por outro lado, pode o pensamento abstrair-se em pressuposições hipotético-dedutivas, sem relação obrigatória com a realidade objetiva, em operações formais que aparecem no ser humano à partir dos 11 ou 12 anos.
Segundo Bleuler, no pensamento também está incluído algo de energético que se origina da afetividade: a finalidade, o conteúdo, o ritmo, a fluência e o tipo de pensamento são dirigidos pelas necessidades, interesses e tendências atuais. Emoções intensas, estado de ânimo, grau de vigília e cansaço podem modificar o pensamento. ... "no pensamento vive, portanto, o homem em sua plenitude".
O conhecimento humano representa um processo que começa com a sensação e termina com o raciocínio dialético. A sensação e o raciocínio são momentos diferentes, aspectos ou graus do mesmo processo do conhecimento. Por isso, não se pode separá-los. O mundo exterior age sobre nossos órgãos dos sentidos, provocando neles as sensações, e essas sensações em conexão indissolúvel com a atividade do pensamento oferecem o conhecimento dos objetos e de suas propriedades.
Sob a denominação de alterações do pensamento estudam-se as alterações da segunda fase do processo do conhecimento, isto é, os distúrbios do conhecimento racional ou intelectual constituído pela formação dos conceitos, a constituição dos juízos e elaboração do raciocínio.
Idéias Supervalorizadas (sobrevalorizadas)
As idéias podem conter uma sobrevalorização ou superestima, caracterizando assim aquilo que leigamente conhecemos por fanatismo. Com o passar do tempo toda a personalidade passa a ser absorvida pela Idéia Supervalirozada, a qual passa a exigir que se coloque à sua disposição todo comportamento do indivíduo. Esta pessoa, por sua vez, será insuflada até o limite de verdadeiras façanhas ou atitudes heróicas, quando não, poderá ser protagonista de tragédias monumentais. Encontramos o fanatismo presente em variadas figuras de nosso mundo cultural, em heróis épicos, em líderes religiosos e políticos, em personalidades carismáticas (como líderes religiosos, promovedores de suicídios coletivos).
Outra curiosidade que freqüentemente acompanha a trajetória dos indivíduos fanatizados é o fato de seu fanatismo aumentar ainda mais diante das situações que coloquem em risco a hegemonia de seus ideais. Isso faz com que suas atitudes adquiram muito mais ânimo e energia e se direcionem com heroísmo ao combate dos inimigos.
Com muita freqüência as Idéias Supervalorizadas coexistem com uma intelectualidade normal, portanto, até certo ponto, tais pacientes continuam gozando de perfeita mobilidade social e satisfatório desempenho ocupacional. Como a personalidade toda acaba por ser possuída pelas Idéias Supervalorizadas, logo a conduta social e ocupacional passam a servir aos propósitos fanatizados. Vem daí o empenho descomunal com que tais indivíduos atiram-se às suas tarefas, desde que, estas, como dissemos, atendam as aspirações superestimadas.
De modo geral, a idéia superestimada, prevalente ou supervalorizada reflete os traços dominantes da personalidade do indivíduo, daí a razão pela qual ele se identifica de modo completo com o seu conteúdo. De modo geral, as idéias superestimadas exercem uma influência danosa sobre o pensamento, orientando-o de maneira inflexível em determinada direção. Essas idéias podem ser consideradas patológicas quando estão em francas oposição ao ambiente e à lógica comum à todos e adquirem esse caráter francamente patológico quando impulsionam a conduta do indivíduo também por caminhos contrários à lógica e à razão. A diferença entre essas idéias e as idéias delirantes é que nas supervalorizadas, faltam as características principais dos delírios, tais como a certeza subjetiva, a impossibilidade de influência e de conteúdo e o fato de não serem totalmente estranhas ao eu como ocorre no delírio.
Os indivíduos perdidamente enamorados, os cientistas, magistrados, militares, sacerdotes, políticos, seguidores de seitas esdrúxulas, cultuadores da saúde e do corpo, integrantes de cultos exóticos, pesquisadores de fenômenos ocultos e sobrenaturais, simpatizantes de entidades que pesquisam extra-terrestres, etc, quando possuidores de personalidade mais frágil e tenuamente atrelada à realidade, podem manifestar Idéias Supervalorizadas acerca de suas atividades e, ao mesmo tempo, como dissemos, conseguir manter uma satisfatória capacidade para o convívio social. Sem dúvida, esta situação mental limítrofe ou borderline aumenta a periculosidade destes indivíduos, principalmente tendo em vista o fato de que nosso sistema sócio-cultural nem sempre tem critérios para diferenciar o ideal do possível. A retórica, a eloqüência, a boa apresentação social e, às vezes, um diploma universitário ou uma boa conta bancária têm sido condições suficientes para atestar a sanidade mental, principalmente se a pessoa estiver trajando terno e gravata.
Há sempre a possibilidade das Idéias Supervalorizadas contaminarem outras pessoas, notadamente quando divulgadas por alguém com poder de projeção social. Não é incomum um fanático conseguir lotar o estádio do Maracanã com 150 mil pessoas, dispostas a doarem seus bens e despojarem-se de seus óculos mediante a promessa de que estarão curados de seus problemas de visão.
Se as Idéias Superestimadas conseguirem atender os anseios íntimos dos espectadores elas, sem dúvida, os contaminarão. Numa retrospectiva histórica podemos detectar grandes grupamentos sociais que se deixaram envolver por Idéias Superestimadas, convenientemente propagadas, as quais resultaram em verdadeiro holocausto. E não faltam, hoje em dia, mais e mais novas correntes seguidoras de verdadeiros ideais supervalorizados à respeito de variadíssimos temas de nosso cotidiano: a xenofobia, o nacionalismo, a "verdadeira palavra de Cristo", a cultuação do corpo, o esdruxulismo de antigos conhecimentos orientais (os quais, se fossem tão pródigos, teriam coletado inúmeras invenções para o benefício da humanidade, como por exemplo, as vacinas, a eletricidade, o rádio, o raio x, etc), e outras excentricidades típicas de quem não consegue se adaptar ao convencional de sua cultura.
Idéias ObsessivasA intromissão indesejável de um pensamento no campo da consciência de maneira insistente e repetitiva, reconhecido pelo indivíduo como um fenômeno incômodo e absurdo, é denominado de Pensamento Obsessivo. Portanto, para que seja Obsessão é necessário o aspecto involuntário das idéias, bem como, o reconhecimento de sua conotação ilógica pelo próprio paciente, ou seja, ele deve ter crítica sobre o aspecto irreal e absurdo desta idéia indesejável.
Por definição, o pensamento obsessivo se constitui de representações que, sem uma tonalidade afetiva explicativa, aparecem na consciência com o sentimento de persistência obrigatória, impossibilitando seu afastamento por esforços voluntários e, conseqüentemente, dificultando e entorpecendo o curso normal das representações, mesmo que o indivíduo se dê conta de sua falta de fundamento, a falsidade de seu conteúdo e o caráter francamente patológico do fenômeno.
As Obsessões estão tão enraizadas na consciência que não podem ser removidas simplesmente por um aconselhamento razoável, nem por livre decisão do paciente. Elas parecem ter existência emancipada da vontade e, por não comprometerem o juízo crítico, os pacientes têm a exata noção do absurdo de seu conteúdo mental. Em maior ou menor grau, as Idéias Obsessivas ocorrem em todas as pessoas, notadamente quando crianças. Podem aparecer, por exemplo, como uma musiquinha conhecida que "não sai da cabeça", ou a idéia de que pode haver um bicho debaixo da cama, ou que o gás pode estar aberto apesar da lógica sugerir estar fechado.
Em crianças aparecem como um certo impedimento em pisar nos riscos da calçada, uma obrigatoriedade em contar as árvores da rua ou os carros que passam, etc. Estas idéias obrigatórias, quando exageradas e promovedoras de significativa ansiedade ou sofrimento, constituem quadro patológico.
A temática das Idéias Obsessivas pode ser extremamente variável, entretanto, em grande número de vezes diz respeito à higiene, contaminação, transmissão de doenças, bactérias, vírus, organização ou coisas assim. É muito freqüente também a existência de Idéias Obsessivas sobre um eventual impulso suicida, como por exemplo saltar da janela de edifícios, ou em ser acometido subitamente por impulsos de agressão e ferir pessoas, principalmente os filhos. Neste último caso a obsessão está justamente em acreditar que, diante de um mal estar súbito, vir a perder o controle e executar, impulsivamente, aquilo que sugere tais idéias.
São muitos os exemplos de pessoas que adotam uma conduta excêntrica motivadas pela obsessão da contaminação ou pelo medo continuado de contágio diante de qualquer coisa que lhes pareça suspeita. Há ainda, casos de pessoas que se sentem extremamente desconfortáveis quando próximas de objetos pontiagudos, facas, foices, etc, devido a idéia indesejável de que podem, repentinamente e misteriosamente, perder o controle e matar uma pessoa querida. Um paciente teve que retornar das férias porque, estando hospedado num apartamento do quinto andar, ficava o tempo todo ansioso devido a idéia de que poderia saltar pela janela se um impulso incontrolável viesse à sua consciência. Em todos estes casos o paciente tem pleno juízo do absurdo de seus pensamentos e reconhece, sofridamente, sua impotência em controlá-los.
Desta feita, a Obsessão é um processo mental que tem caráter forçado, uma idéia associada a um sentimento penoso que se apresenta ao espírito de modo repetido e incoercível. São idéias impostas ao psiquismo, incômodas e sentidas como involuntárias, as quais entram na mente contra uma resistência consciente.
Por outro lado a similaridade entre Obsessões e Fobias (tratadas mais adiante) foi observada já em 1878 por Westphal, criador do termo Fobias Obsessivas. Seriam medos que dominam a consciência, apesar da vontade do paciente que não consegue suprimi-los, embora reconheça-os como anormais. Aliás , vê-se muito bem, nos exemplos supra-citados, o componente de medo que normalmente acompanha as Idéias Obsessivas. A Obsessão de doença e contaminação pode ser entendida como uma Fobia de doença, uma ruminação mental sem fim em torno da possibilidade de sofrer qualquer tipo de doença .
Ainda que o fenômeno obsessivo seja distinto do fenômeno fóbico, é sempre bom ter em mente que ambos podem ser faces distintas de uma mesma moeda ou, o que mais provavelmente poderia ser, a fobia originando obsessão e vice-versa.
FobiasTal qual a Obsessão, a Fobia intromete-se persistentemente no campo da consciência e se mantém aí independentemente do reconhecimento de seu caráter absurdo. A característica essencial da Fobia consiste num temor patológico que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção, temor este dirigido a um objeto (ou situação) específico .
A Fobia é um medo absurdo, específico e intenso o qual, na maioria das vezes, é projetado para o exterior através de manifestações próprias do organismo. Essas manifestações normalmente tocam ao sistema neurovegetativo, tais como: vertigens, pânico, palpitações, distúrbios gastrintestinais, sudorese e perda da consciência por lipotímia. As manifestações autossômicas externadas pela fobia têm lugar sempre que o paciente se depara com o objeto (ou situação) fóbico.
O pensamento fóbico é tão automático quanto o obsessivo e o paciente tem plena consciência do absurdo de seus temores ou, ao menos, sabem-no como completamente infundados na intensidade que se manifestam. Resistem, os temores, a qualquer argumentação sensata e lógica. Aliás, o medo só será fóbico quando considerado injustificável pelo próprio paciente e, concomitantemente, for capaz de produzir reações adversas comandadas pelo sistema nervoso autônomo.
O medo na Fobia ataca de modo incontrolável diante de objetos e circunstâncias de todo naturais e, diante das quais, mesmo o paciente reconhecendo como ridículas, não poderá dominar-se. A denominação das Fobias diversas guarda uma relação etimológica com as situações desencadeadoras: Agorafobia (espaços abertos ou sair de casa); Claustrofobia (lugares fechados); Acrofobia (alturas); Ailérofobia (gatos); Antropofobia (gente); Zoofobia (animais); Xenofobia (estranhos); e assim por diante.
As Fobias podem ocorrer juntamente com qualquer outro sintoma psiquiátrico, podem fazer parte de variados graus de ansiedade e de depressão ou ainda, em várias neuroses e psicoses. De fato, não se trata de nenhum sintoma patognomônico de algum quadro psicopatológico específico. (Veja mais sobre Fobias em Transtornos Fóbico-Ansisos)
DelíriosJaspers define o Delírio com sendo um juízo patologicamente falseado e que apresenta três características:
1. Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável;
2. Impenetrabilidade e incompreensibilidade psicológica para o indivíduo normal, bem como, impossibilidade de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e;
3. Impossibilidade de conteúdo (da realidade).
Esta tríade proposta por Karl Jaspers é aceita pela psicopatologia clássica, notadamente pela tendência organodinâmica. É contestada, principalmente os itens 2 e 3, por autores psicodinâmicos, mais por uma questão de nosografia que de fenomenologia.
A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de Jaspers. Diante de um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal Conteúdo do Pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um delírio, mas sim de um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide.
Para ser Delírio a convicção dever ser sempre inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira, independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera.
Em relação à segunda regra, Jaspers alerta sobre a impossibilidade do Delírio ser compreendido por pessoas que mantém vínculo sólido com a realidade. A lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí a falta de compreensão psicológica do Delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade, notadamente com a conjuntura vivencial do paciente.
Ao postular esta regra tríplice Jaspers definia aquilo que chamamos de Delírio Primário, ou seja, uma idéia falseada da realidade, cujas fantasias não desfilam elementos redutíveis de uma realidade especialmente vivida. Em outras palavras, esta irredutibilidade do Delírio quer dizer que não pode haver uma relação compreensível entre o tema delirante e possíveis vivência causadoras. O que se confunde, às vezes, são histórias de afastamento da realidade posteriores à traumas emocionais mas, como já dissemos, trata-se aqui de idéias deliróides e não de delírios francos.
Caso o Delírio se apresente de forma a sugerir um determinado mecanismo defensivo contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante, falamos em Delírio Secundário ou Idéia Deliróide. Aí sim, podemos reduzi-lo à uma análise vivencial e psicodinâmica plausível. Foi o que aconteceu com um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão direita. Nos dias seguintes ao acidente começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto suficiente e ostensivamente ameaçador para com as pessoas que dele duvidavam.
Resumidamente, está claro que tal ideação emancipada da realidade era por demais compreensível: tratava-se de um mecanismo de defesa psicotiforme no qual, em Compensação à mutilação e deficiência o seu poder passou a ser infinito. Trata-se pois de uma Idéia Deliróide (ou um Delírio Secundário), o qual habitualmente pode fazer parte de numa Reação Psicótica Aguda.
Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto podem aparecer em pessoas sem nenhuma vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial. Apenas aparecem e, aí sim, na impossibilidade de conteúdo ou de compreensibilidade estaremos diante de Delírio Primário. A Idéia Deliróide seria conseqüência de um estado afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário.
A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma mudança nas convicções e na significação da realidade . O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo.
Apesar do romantismo literário acerca da presumível viagem libertadora proporcionada pelos delírios por libertar o delirante das agruras de uma realidade sofrível, esta alteração do pensamento é considerada pela psicopatologia como uma das formas mais óbvias de empobrecimento mental, uma fixação regressiva e doentia que coloca o paciente num estreitíssimo corredor de possibilidades, numa quase ausência de livre arbítrio. Quer dizer exatamente o contrário daquilo que considerava a patologia da libertação; o delirante não é capaz de pensar aquilo que ele quer pensar, não tem possibilidades de admitir alternativas, falta lhe opção de raciocínio e é obrigado a conduzir-se estritamente nos trilhos estabelecidos pela sua doença.
É tal o empobrecimento mental do delirante que Henri Ey trata do assunto no capítulo reservado à Semiologia da Alienação da Pessoa e considera o Delírio como uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade. Trata-se, conforme Ey, de um distúrbio que se relaciona essencialmente com a concepção do mundo, manifestando-se através de uma inversão das relações do Ego com a realidade, enfim, uma alienação do Ego.
Segundo Kraepelin, "Delírios são idéias morbidamente falseadas que não são acessíveis à correção por meio do argumento". Bleuler, por sua vez, dizia que "Idéias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas", determinava ele.
Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais naquilo que entendemos por Delírio Primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do Delírio Secundário. Segundo Kurt Schneider a Ideação Delirante pode apresentar-se através de três configurações semiológicas :
1. - Percepção DeliranteFala-se em Percepção Delirante quando o paciente atribui, à uma percepção normal da realidade, um significado anormal sem que, para isso, existam motivos compreensíveis. Não existe, neste caso, uma verdadeira alteração da percepção mas é a interpretação dessa percepção que sofre um juízo crítico distorcido, patológico e com uma significação muito especial.
Nas Percepções Delirantes um acontecimento trivial, uma palavra despretensiosa, um acontecimento cotidiano, são representados com uma significância toda particular e morbidamente distorcidos por interpretações mágicas, ameaçadoras e cheias de conotações misteriosas. Normalmente as Percepções Delirantes se fazem em caráter de auto-referência, ou seja, tudo o que acontece à sua volta passa a referir-se ao paciente, a ele dirigido e com propósitos claramente comprometedores de sua pessoa.
Um paciente, exemplo de ideação auto-referente, ouvindo na televisão uma orientação sobre a AIDS, considerou haver uma suspeita geral acerca da possibilidade dele estar sofrendo da doença e, para ele, os comentários da TV eram uma prova de que todos estivessem suspeitando de sua contaminação. Um outro, vendo que a esposa tinha modificado a disposição dos frascos de perfume sobre a penteadeira, considerou isso um indício seguro de estar sendo traído. Mais um, vendo que seu cunhado havia comprado relógio novo, deduziu estar ele recebendo dinheiro de seus inimigos com o propósito de denunciá-lo.
Estas Percepções Delirantes normalmente compõem aquilo que chamamos de Delírio Sistematizado, ou seja, uma ideação organizada tal qual uma historieta; com começo, seqüência e fim. A temática central, na maior parte das vezes, é de referência ao paciente. Assim, Delírio de Referência é uma idéia delirante cuja temática implica sempre em prejuízo, perseguição, dano ou punição do paciente. É um tipo de Delírio freqüentemente encontrado nas Percepções Delirantes.
2. - Ocorrência DeliranteResulta de uma crença delirante, puramente subjetiva, sem a necessidade de um estímulo a ser percebido. Não há um estímulo percebido com significação anormal, como acontece na percepção delirante, o que existe é uma Idéia Delirante independente da motivação ambiental.
O conteúdo da Ocorrência Delirante se refere, principalmente, a convicções de ordem religiosa, política, de capacidades especiais do paciente, podendo haver também uma temática de ciúme e perseguição. É sinônimo de Representações, Cognições ou Intuições Delirantes.
A caricatura do louco, estigmatizado pelo indivíduo que se considera Napoleão Bonaparte, exemplifica bem uma Ocorrência Delirante, ou seja, sem necessidade de interpretar estímulos ambientais ele simplesmente se acha Napoleão. Nossos exemplos mais comuns são de pacientes que se julgam possuidores de poderes sobrenaturais, telepatas, místicos, porta-vozes de divindades. Também os perseguidos, como uma senhora que referia uma cruel perseguição pelos vizinhos. Estes, seguidamente, viviam colocando animais peçonhentos em sua casa, instigando toda sorte de infortúnios. Na realidade estes vizinhos nem existiam, o prédio ao lado era um conjunto de escritórios.
3. - Reação DeliróideEm artigo de 1910, Jaspers relata dois casos que substanciam brilhantemente essa divisão entre Idéia Delirante e Idéia Deliróide. Ele sustentou, a certa altura, que o verdadeiro delírio de ciúme diferia de qualquer outra forma de produção mórbida de ciúme porque, em primeiro lugar, não partia de fatos reais (premissa falsa), logicamente aceitáveis e razoavelmente possíveis. Depois, porque não guardava nenhuma relação compreensível com disposições específicas de personalidade, com eventuais preocupações, com alguns complexos, conflitos ou com a dinâmica dos acontecimentos atuais.
Para Jaspers, o verdadeiro delírio de ciúme não podia, pois, ser explicado como traço de uma personalidade anormal no curso de seu desenvolvimento, mas sim, como algo novo que se inseria, em dado instante na linha vital do indivíduo, fazendo supor um desvio abrupto ou de uma quebra, uma profunda transformação qualitativa da própria estrutura pessoal.
Desde essa época foram estabelecidas as diferenças essenciais entre as estruturas Delirantes e Deliróides. Jaspers afirmava que o verdadeiro delírio é um fenômeno primário por excelência. Como fenômeno primário ele queria dizer psicologicamente incompreensível para o homem normal, portanto, sem compreensibilidade à nossa personalidade e sem nenhuma semelhança com eventuais vivências psíquicas que somos capazes de representar coerentemente.
Essas idéias resultam totalmente estranhas para nós, sendo, por isso, impenetráveis psicodinamicamente. Além do aspecto impenetrável, os juízos verdadeiramente delirantes devem trazer ainda o timbre da certeza subjetiva absoluta, da convicção interior irremovível. Essa não-influência psicológica seria, segundo Jaspers, outra característica típica da idéia delirante verdadeira, atestando assim sua irredutibilidade e incorrigibilidade, tanto por meio da persuasão lógica e irresistível, como através da evidência esmagadora dos fatos em contrário.
Na Depressão Grave, como sabemos e bem atestou Kurt Schneider, embora a tristeza vital seja considerada primária, no sentido de ser também incompreensível e psicologicamente irredutível, dela deriva e se vincula toda a gama de Idéias Deliróides depressivas. Essas Idéias Deliróides são pseudo-delírios ou Delírios Secundários, como os denomina Jaspers, por tomá-los psicologicamente compreensíveis e dentro do quadro clínico geral em que se formam. Atualmente fala-se também em Delírio Humor-Congruentes.
O mesmo fenômeno se observa no tocante às idéias de grandeza, tão bem observadas em estados maníacos como expressão natural do sentimento de onipotência. Nesses casos também devemos considerar o classicamente chamado delírio de grandeza como pseudo-delírio ou Idéias Deliróides, e não só aqueles observados nos maníacos, como também nos raros casos da paralisia geral progressiva.
Nos maníacos estas Idéias Deliróides se mostram compreensíveis e explicáveis em função da forma clínica expansiva da doença e, nos luéticos, são explicáveis, portanto secundários, em razão do processo mórbido orgânico-cerebral subjacente, portanto, são igualmente secundários. Assim, pois, as Idéias Deliróides podem ocorrer em abundância e secundariamente nos estados maníacos e depressivos, nas psicoses orgânicas, em certos oligofrênicos leves , em personalidades psicopáticas, nos sociopatas e nas psicoses reativas.
O tema do delírio, entretanto, não é suficiente para dizermos tratar-se de uma Idéia Delirante ou Deliróide. Assim como Jaspers baseou-se em delírios de ciúme para definir a Vivência Delirante Primária, Bleuler se baseia no mesmo delírio de ciúme, porém em alcoólatras, para discorrer sobre uma Vivência Delirante Secundária.

para referir:
Ballone GJ, Moura EC - Alterações do Pensamento in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008