O tema “silêncio” frequentemente está a
meu redor … seja por minha escolha, fruto da minha preferência a
ambientes silenciosos ao invés de barulhentos, seja no setting
terapêutico quando o cliente está ainda emaranhado nos arcabouços dos
processos de recalque ou imobilizado frente a conteúdos que teimam em
ficar “varridos para baixo do tapete” …
Isso é normal e até esperado na vida de
um terapeuta. Mas nessa semana o “silêncio” esteve mais presente em
minha vida, quase que gritando ao meu ouvido.
Eu assisti dois bons filmes a título de estudo de caso (adoro esse recurso, pois une o útil ao agradável). O primeiro foi Precisamos falar sobre o Kevin – We need to talk about Kevin / asssita a um CLIPE – e o outro foi Silêncio de Melinda – Speak / CLIPE.
Ambos tem como um dos elementos
subjacentes a todo o contexto o silêncio. Ambos também são repletos de
temáticas do âmbito psicológico / psiquiátrico e merecem ser vistos por
quem gosta. Poderíamos desenvolver uma série de perspectivas e de
elementos relevantes nas duas histórias, mas por hora o meu foco fica na
questão do silêncio, por razões que ficarão mais claras logo a frente.
Em Precisamos falar sobre Kevin,
somos convidados a testemunhar todo o enredo de uma dinâmica familiar
que acaba por ter um fim trágico, mas que vai sendo construído (muito
bem, diga-se de passagem) desde antes mesmo do momento da concepção do
sujeito em questão. É uma somatória de ocorrências, posturas e escolhas
que vão lapidando o que vem a se conformar como um psicopata que
protagoniza um massacre em uma escola de ensino médio.
“Viagem” holliwodiana ? Será
mesmo ? O número de ocorrências parecidas com essa (mesmo que não
tenhamos acesso a privacidade dos bastidores das famílias em questão)
atesta justamente o contrário. Eva, a mãe de Kevin amarga um misto de
sentimento de inadequação, despertencimento, fracasso e culpa que acaba
por deixá-la absolutamente refém de Kevin, que tripudia dela, manipula e
chantageia ao sabor de sua perversão. Sobretudo a culpa faz com que Eva
se cale frente aos acontecimentos e o silêncio parace acabar por ser
seu maior algoz.
Paradoxalmente, quando parece que ela se dá conta disso e profere a frase que dá título ao filme (… precisamos falar sobre o Kevin …) em um telefonema desesperado ao marido … já é tarde demais … Falar mais, seria estragar o filme.
Em Silêncio de Melinda,
outra situação que infelizmente é muito mais freqüente do imaginamos : o
abuso sexual. Após ser vítima de um estupro, Melinda opta por calar-se.
Recalca o mais fundo possível o drama e a angústia que vive. Usa esse
recurso como um auto-flagelo ao mesmo tempo que uma penalização àquelas
pessoas que não a acolhem nesse pedido de socorro, mas a armadilha é que
quanto mais se cala, mais afasta e mais difícil fica acessá-la … que se
torna ainda mais carente, em um ciclo vicioso sem fim e extremamente
doloroso.
Passa-se praticamente um ano, em que
tendo optado pelo silêncio, amarga agora a percepção dos outros como
sendo a “estranha” e é marginalizada cada vez mais no processo de bullying
que sofre dos colegas. Pais ausentes afetivamente complementam a
receita para que o colapso não esteja muito longe de acontecer. A saída
não podia ser outra … acontecimentos levam a que ela finalmente bote
para fora, “vomite” o que a está envenenando e, finalmente o ciclo de
auto-destruição começa a se desconstruir.
Desnecessário dizer que isso acontece
muito recorrentemente em terapia : a pessoa recalca e guarda até não
conseguir mais e quando finalmente “explode” pela necessidade de
expressar-se, ser ouvida, entendida e respeitada, passa a sentir uma
melhora gigantesca assim como se diz no dito popular “tira um piano das
costas” !
Muito bem, nessa semana eu recebi um
presente que orbita a essa temática. Uma cliente minha com grande
dificuldade em se expressar, em falar sobre conteúdos mais profundos,
chegou ao ponto de insight na terapia em que finalmente
percebeu a necessidade de colocar-se e compartilhou comigo material
privado do mais alto valor. Esse momento é muito gratificante para um
terapeuta !
Sendo assim, eu quis fazer uma homenagem …
um agradecimento público, mas ao mesmo tempo privado por que só ela
sabe que ela é ela ! Obrigado pela confiança depositada e parabéns pela
coragem de, finalmente, colocar isso tudo para fora !
Fonte: psicologiacomportamental.net